Expressionismo

Vivia em um mundo particular que paredes não delimitavam: sua peculiaridade a acompanhava aonde quer que ela fosse.

Exemplarmente contentava-se com qualquer fagulha de atenção, podia falar por um tempo infinito sobre infinitas coisas que amava.

Falava sobre a família, falava sobre as bonecas, falava sobre os bichinhos de pelúcia, falava sobre os desenhos animados que assistia, falava sobre os livros infantis que lia, falava sobre as músicas infantis que ouvia, falava sobre as novelas e filmes infantis que assistia. Falava, falava, falava a exaustão, porém ninguém a ouvia.

Todos corridos, todos com pressa, todos com os seus próprios assuntos urgentes, interesses próprios; não, ninguém a ouvia.

Os momentos de conversas, de compartilhamentos de ideias, de escuta familiar eram fragmentados, incertos, carecidos de interesse sinceros na escuta.

Habituou-se a apressar a fala, atropelar palavras, condensar no curto espaço de tempo que tinha de atenção toda a universalidade de genialidades que racionalizava.

Virou motivo de piada por isso, alcunha da família, dos colegas. Fala ligeira, leitura ligeira, apelidos ligeiramente dados por línguas ligeiramente más.

Se tornou introspectiva, convenceu-se de que o seu silêncio seria mais agradável para os demais, afinal, era um incômodo. Foi vista então como arrogante; não se importou: já era vista como coisas demais.

Começou a escrever.

Escrevia pela mesma razão pela qual falava de maneira tão rápida: queria ser ouvida. Ser ouvida (ou lida) sem interrupções, sem respostas, sem conselhos, contraposições. Tinha muito a dizer, talvez coisas que não fossem relevantes para os outros, mas sentia essa necessidade gigantesca e crescente de expressar esse universo de coisas que estavam dentro de si, elas precisavam de vazão, pois o seu um metro e trinta não comportavam aquela vastidão de sentimentos.

Portanto escrevia.

Sobre o que ela escrevia? Sobre tudo e sobre nada, mas tudo sobre ela. Egoísta, não é? Talvez sim. Talvez as suas dores tenham se intensificado ao ponto de emudecerem as demais dores do mundo.

Talytha Duarte
Enviado por Talytha Duarte em 08/08/2018
Código do texto: T6413274
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