Estranhos Viventes

Somos todos estranhos

Num universo de corpos energéticos

Sonantes e multicores

Ora somos tarântulas

Cobertas de pelos pretos

Que se movimentam entre ecos inaudíveis

Ora somos iguais a robôs de plástico

Ou androides de olhos faiscantes

Logo somos

Semelhantes a ferro retorcido

Um amontoado de ossos dessecados

Um entulho de ferramentas inservíveis

Ao mesmo modo usadas

Em nosso efêmero destino

Corpos inertes, ainda assim,

Somos alimento

De organismos que se multiplicam

Em meio à ordem e ao caos da transformação

Ora somos fraternidades de células

Que reclamam salvação contra as ações contrárias

Irrompidas pelas viroses ou males congênitos

Pelas mudanças climáticas

Pelas intempéries

Pelos furacões

Pelos terremotos

Somos esmalte enfraquecido pela ação das placas

Somos corpos musculares que se atrofiam

Olhos que não distinguem

Através das cataratas

As crianças que brincam à nossa volta

Somos árvores frondosas atemorizadas

Ao sentirmos que nos suga a seiva o laço parasita

Ou nos debilita a voracidade das lagartas

E dos fungos que carcomem nossas folhas

Somos madeira doce à gula dos cupins

Somos sementes insaciáveis que disputam

Os nutrientes do solo

Somos viventes cautelosos ao sorver a canja

No receio do ossinho que engasga

Somos tão indefesos como criança que infla o peito

E dilata os músculos na fantasia do super-homem

Somos minúsculos seres num gigante de água

Que engole Titanics e aeronaves de poderosas turbinas

Somos todos estranhos que se solidarizam

Nas situações catastróficas

Entre destroços de acidentes ou restos de paredes

Teimosamente a prumo na poeira

Após as explosões das bombas

Somos pequeninos viventes num gigante de terra

Que ferve em suas entranhas e regurgita fogo

Carbonizando árvores frondosas

Tornando em cinzas as aranhas de pelos pretos

Somos pequeninos viventes num globo gigante

Minúsculo entre incalculáveis irmãos maiores

Somos pequeninos entre a ordem e o caos

Viventes que constroem entre tapas

Hipocrisias e beijos sedentos

Um mundo de flores artificiais

Entre disputas inúteis e tolos preconceitos

Entre sofismas que alardeiam vitórias

Ou supostas derrotas vergonhosas

Entre o amor e o ódio que alimentamos

E deles fazemos

Juntamente com a alegada justiça humana

A razão de nossa existência

Somos todos estranhos

Vindos de único tronco que esparge seus galhos

Multiplicados

Em DNA ou sigla com mesmo sentido

Combinado ou conflitante

Num estranho universo declamado

Na poesia do belo esculpido

Arquitetado para deter nosso olhar

Em formas harmoniosas e silentes

Universo estranho redondamente repetido

Entre linhas de mensagens

Nas redes e circuitos de pensamentos e memórias

Que clamam pela perpetuação da vida

Inutilmente porquanto

A vida é renascente

Imorredoura

Sobrepondo-se ao mistério de si mesma

Somos todos estranhos

Animais que se intitulam racionais

E ainda que não fôssemos assim

Conosco levamos

A herança do instinto

Forjado no fogo aceso em cavernas

Pelos que trilharam ao despertar do mundo

Ainda que nos faltasse a razão

Seríamos como as demais espécies

Familiares ou não

Todos somos criaturas

Que compartilham o mesmo oxigênio

Gaviões, aranhas, cupins, macacos

Crocodilos, sapos, serpentes

Tubarões, cangurus, baleias ou pinguins

Somos todos viventes estranhos

Mamíferos, aves, peixes, répteis

Ou de classes indefinidas

Colocamo-nos acima

E nos afirmamos convictos

Sem que saibamos por quê

Dotados de grande intelecto

Racionalidade em linhas

Contínuas e interrompidas

Retas ou em curvas desiguais

Cada qual com suas interseções

Cortes inofensivos ou ardilosamente infectados

Somos relativamente opostos - Bem e Mal

Que sobrevivem pelo instinto e

Pela graça de um poder jamais entendido