Tecendo o Amanhecer

Tecendo o amanhecer.

A vida surge a cada amanhecer. Nada melhor do que uma noite bem dormida, com um despertar cheio de ânimo e, na cabeça, montando a relação dos afazeres reservados para cada dia.

Viver é a busca da direção dos caminhos que o Pai nos traçou e nos deu o livre arbítrio para prosseguir. E prossigo a cada amanhecer, literalmente caminhando, e pela praça vou “tecendo a minha manhã”, como o galo de João Cabral de Melo Neto. Caminhando penso nas graças que recebemos a cada dia que amanhece. Por onde passo observo todas as pessoas. Algumas, como eu, caminham, não sei se pelos mesmos motivos: indicação médica e consciência de que lhe fará bem à saúde. Outras... tantas outras estão ali por motivos diferentes:

O senhor encarregado de limpar parte da praça, sisudo, cumpre a sua obrigação. O chapéu lhe tapa a visão. Não faz questão de receber um bom dia. Cumprir o seu dever de gari é o que lhe importa.

Pelos passeios, observando o lixo que o comércio deixou pelos pontos da praça, outro idoso, assenta-se por perto, quando o produto ali serve como ajuda a suas despesas. Pacientemente pega os papelões, fragmenta-os em pedaços menores e os introduz em um bastão o que lhe permite colocar no ombro, facilitando assim o transporte. Observo a sua paciência. Sem pressa vai pela praça, como alguém que já construiu a sua história.

Os cachorros se misturam às pessoas que por ali trafegam. Eles fazem a sua festa em volta de uma cadela no cio.

Do outro lado da praça, duas garis. Enquanto varrem colocam o papo em dia, não se importando com os transeuntes. Falam alto, bem ou mal da vizinha, da conhecida, da colega de trabalho e, assim, vão ajuntando a sujeira da noite anterior, para seu colega de trabalho recolher.

Senhoras vão à padaria comprarem seu pão para o café da manhã. Casais mais jovens correm, ou melhor, trotam ombro a ombro. Ciclistas fazem parte desse cenário. Uma jovem que aguarda o seu transporte, desliza as contas do seu terço entre os dedos. Demonstra a sua fé. Faz a sua oração e ela chega até o Pai, pois Ele é misericordioso e está em toda parte.

Sentados na praça, alguns homens de meia idade. Fumam o seu cigarro, tomam a sua pinga e nos dão a impressão de que ali passaram a noite.

Ainda é pouco o movimento de carro. Parte da cidade ainda dorme, apesar de o sol já chegando e anunciando o novo dia.

Observo, caminho, oro, saúdo algumas pessoas as quais me deixam transparecer a sua receptividade ao meu bom dia.

Já me são suficiente os cinquentas minutos de caminhada, e, nós caminhantes da Praça Coronel Zeca Leite de Brumado – BA., sentimos que é chegada a hora de entregarmos o espaço aos carros, às motos, aos ônibus, os quais transportam operários que ali os esperam e professores que se deslocarão para escolas da zona rural onde cumprirão o seu sagrado dever de formarem homens.

Espera também o ônibus um rapaz, de pequena estatura, meia idade e, todos os dias se coloca naquele posto de espera, com inúmeras sacolas de pão, as quais deverão chegar a algum lugar para o café da manhã de algumas pessoas, e, “diga-se de passagem” que não são poucas pela quantidade de pão que se vê. São várias sacolas plásticas e eu pensando no meio ambiente me questiono: se todos os dias o mesmo ritual, as mesmas sacolas plásticas, por que não transportar aqueles pães em vasilhames retornáveis? Que rumo tomarão essas sacolas, qual será o seu destino? Quantos anos serão carregadas pelo vento? Elas são hoje um mal necessário? Não. Gerações passadas viveram sem elas. E tiveram um mundo menos poluído.

Chega de questionamento. Adentro o meu portão. Pelas voltas dadas, pelos encontros com as pessoas, pelos pensamentos diversos, como aquele galo que precisou de outros galos para que apanhassem o seu grito, eu e as demais pessoas, na praça “Tecemos o Nosso Amanhecer”.

maio de 2016

Diná Gomes Fernandes
Enviado por Diná Gomes Fernandes em 06/09/2018
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