Meu Bloco Saúda e Pede Passagem

Me dê licença, senhores do mundo, eu sei que o carnaval ainda está longe, os dias ainda são frios neste fim de inverno, mas é que não mais resisti...

Eis que saio por essas ruas solitárias, palhaço sem graça alguma, herói sem heroísmo, esqueci meu relógio em casa, perdi a noção de todas as coisas e aqui estou...

Meu bloco saúda à todos, os que riem sem motivo e os que choram com razão. Saúda aos que enterraram os seus mortos amores, sem ter sequer uma reza, uma pá de cal ou sequer alguma rosa vadia...

Meu bloco saúda aos desesperados que foram traídos no seu mais puro afeto, os que amaram e não foram correspondidos, os que no meio da noite se calaram porque seus gritos não seriam ouvidos por mais ninguém...

Saúda as crianças que tiveram suas alegrias arrancadas pelas guerras malditas, saúda os que novos perseguidos pelos fantasmas das sandices do sistema de nosso tempo, aos velhos que foram largados em um canto qualquer. Saúda também às amadas sem janela, a poesia que perdeu seu encanto e tudo mais que havia de bom por aí, pelo mundo e que não existe mais...

Não riam de mim, por favor, não zombem, não escarneiem, esse é mais um desespero sério de quem sobrou algum pedacinho de esperança. Aquela mesma desesperada esperança que fez a jovem senhora embalar seu menino de agora sem aqueles olhos azuis para entregá-lo para a maldade do mundo. Aquela mesma dor que fez o já velho senhor chorar pelos cantos de amor e ciúme.

Meu bloco saúda e pede passagem! Abram as portas do hospício, chamem todos loucos, vamos esculpir solenes carneiros pelas pastagens do céu, fazer pinturas com as naus e suas velas que andam por esses mares nunca dantes navegados. Chamem os mortos também! Escutemos as histórias paradas pela metade, as cenas congeladas no ar, reacendamos velhas fogueiras...

Meu bloco saúda e pede passagem! Desculpem todos se incomodo, a capa e a cartola do mágico acabaram me transformando no velho Exu e agora todas as encruzilhadas me pertencem...

Venha comigo linda bailarina, eu quero beijar seus lábios até suas faces corarem; venha também menestrel, ainda conheço velhas canções que enfeitarão esse mais triste ar. Venham comigo todos, todos vocês, sem distinção alguma, afinal de contas somos todos humanos, pertencentes às mesmas tristezas e desilusões que o destino nos reservou...

Meu bloco saúda e pede passagem! Lá vou eu, acompanhado da minha tristeza e da minha solidão...

Carlinhos De Almeida
Enviado por Carlinhos De Almeida em 25/09/2018
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