Canto da desesperança
Não saberia precisar em qual momento a insanidade passou a tomar conta da vida.
Entre nascimentos e óbitos, achados e perdidos
Nada mais pareceu estar no lugar onde deveria estar
Os abraços e os beijos tornaram-se estremecidos
A ternura que emoldurava o dia, perdeu-se na imensidão das horas desajustadas
Sem ter mais a quem recorrer, o vazio se alastrou em mim como se fosse uma peste secular.
Não saberia responder às inúmeras indagações que tomaram a minha mente em meio a tanta loucura
Não saberia acompanhar os que chegam e os que partem sem sentir o descontentamento que costura princípios e fins
Não saberia andar por aí em busca de espaço, porque todos os endereços me parecem, desde então, gotas espalhadas em oceanos desconhecidos
Não saberia beijar e abraçar como antes porque os toques se tornaram efêmeros e insensatos
Não saberia sentir a ternura nem mesmo nos dias nos quais o sol tece sua aura de calor e ainda embala meu corpo sem ossos
Não saberia lidar com o vazio, pois me perdi de todas as possibilidades de ocupar as vagas que a minha alma costumava habitar
Hoje, em meio aos desatinos dessa vida que se vestiu de louca,
busco recuperar algo, alguma coisa ou alguém que possa me dizer se há rumos disfarçados nessa multidão de incertezas
Calei a voz para ouvir os barulhos do mundo e os silêncios das horas ainda por viver
Tentei tocar mãos que flutuavam pelas ruas na esperança de que estas pudessem me puxar e, entre dedos, chegar a algum ponto, ainda que inespecífico do planeta
Agora, sem nada mais a dizer, ouvindo as vozes que antes acalentavam meu sono, tento atingir o abismo das alucinações que costuram dias, meses e anos
Estou a par das impossibilidades
Entendo todas as reticências que atravessam as ruas
Mas, não sei porquê, ainda me dói esta vasta sensação do desconhecimento
As letras das canções estão grudadas em mim
As pessoas que conheci um dia tatuaram-se na minha pele pelo lado de dentro
E, por fora, a loucura que se alastra pela vida começa a corroer as minhas mais simples e naturais impressões acerca de tudo e de todos
Não sei se estou aqui ainda, mas sei que o estar aonde quer que seja tem o cheiro ocre dos hospícios erigidos por essa saudade dos dias em que a criança que me protegia fazia ecoar seu riso pelo infinito que nunca chegou a, de fato, haver.
06-11-2018