Noturno

A madrugada amanheceu em mim sóbria e cheia de querer. Fui tomado por um desejo diplomático e austero. Vi nascer por minhas entranhas uma espécie de dever, ou melhor dizendo uma espécie de dívida para com a humanidade.

Foi quando pude ouvir o mugir dos desesperados. A infelicíssima embriaguez e a frustração dos sonâmbulos pensamentos noturnos. O rangir amadeirado dos que perderam o sono.

Cada pessoa se acalanta como pode e que tenho eu a ver com todas essas coisas? Juro! Quase pude entender os mistérios de Deus e de todas aquelas vozes com pedidos eternos.

Não fosse a ambição e essa pressa que de nada nos serve...Perceba isto: quem tem o que precisa não corre para buscar o que já possui; quem nada tem, raramente sabe do que precisa e, por isso, corre atrás de tudo. Por outro lado, quem tem alguma coisa a perde num dado momento e só então percebe que a teve um dia. Qual deles é você?

Por um privilégio divino os loucos não sofrerem por essas coisas. Eles não entendem nada de nada e compreendem, ao mesmo tempo, absolutamente tudo. A liberdade, penso, pertence a eles e não aos homens de palavras armadas e seus conchaves.

Aviso: não confundir louco com ignorante. Os ignorantes são enciclopédias com pernas. Pobres criaturas perambulantes. Não dão a mínima para assuntos não escritos em suas páginas. Os loucos, no entanto, são verdadeiros livros em branco. Cada um lê o que quer e ninguém os entende, porque estão em branco.

Devo confessar a você que pensar sobre tudo isso deixou-me um trapo. Um sintoma, quem sabe, dos que cumpriram o dever de casa ou dos que, ao menos, perderam algumas horas de sono como eu as perdi por uma causa nobre e legitimamente humana.

Poeta Curitibano
Enviado por Poeta Curitibano em 22/11/2018
Código do texto: T6508917
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