Bom dia (?)

- Bom dia!

O que significa um "bom dia"?.

Pergunta retórica, invocação ao mundo espiritual,

ou real interesse pelo transeunte ocasional?

Faz-me cócegas as expressões enevoadas, que se surpreendem, não devolvem resposta ou sequer esboçam um simples sorriso, ao receberem de graça um comprimento de um suposto conhecido.

Ato corriqueiro que expressaria bons modos, até para com um inimigo, mormente tem sido desprezado, ignorado, e raramente respondido.

Triste fato constatar, que além da alegria, as agruras do cotidiano nos têm roubado a boa educação, coisa simples, que não nos faz falta e certamente impingiria esperança a um desconhecido carente de atenção.

Um "bom dia" tende a expressar esperança, bom presságio, energias positivas, mecanismo que deveria multiplicar esse ordinário ato de compaixão.

E o "como vai"?

Esse então, nem tem sido cogitado. Anda em desuso. Não há tempo para expressá-lo enquanto estamos apressados, com a cabeça nas nuvens, nos problemas, olhos no celular ou fixos no chão. Não, não temos tido tempo para um "como vai?", para um cafézinho, para um abraço ou aperto de mão. Vai que a pessoa responde e teremos que sair de nossa rota e gastar o pouco que temos do precioso tempo que nos mecanizou em gestos ensaiados de acenar com a cabeça ou do levantar preguiçoso de uma das mãos.

Se temos que desperdiçar cumprimentos, que sejam com nossos pares, familiares, colegas de trânsito ou repartição. Até isso, por vezes, nos exige demais. Estamos cansados, semi-mortos, zumbizados, aguardando a redenção ao fim do expediente que nem começou.

Mal temos olhado pela janela, do carro, do ônibus, da sala de casa. Deparamo-nos com outras janelas, onde não há vida fluindo nelas, apenas seres que se esqueceram de ser pessoas, com carências a serem supridas dentro delas.

Entretanto, os comerciais de margarina nos fazem sonhar. Idealizar o dia do pagamento quando, depois das contas pagas, se alguma coisa sobrar (geralmente não sobra), poderemos relaxar, distribuir "bons dias", responder sorridentes aos inúmeros "como vai?", comentar nossos planos para o fim de semana, férias, fim de ano, reveillon e depois cair das nuvens, com as prestações do cartão e incontáveis boletos a pagar. Não, não dá! Tá difícil desejar bom dia. Não sentimos estímulo há um bom tempo. Estamos às vésperas do Natal e nem montamos as árvores, não esfeitamos as fachadas com alegres luzinhas.

Nosso comportamento tido como indiferente, atesta o sentimento comum de que sentimos de mais e, bem longe de sermos indiferentes, estamos tristes, decepcionados, inseguros, amedrontados, explorados, tratados como escravos e indigentes.

Como dar bom dia? Pareceria deboche, mera utopia, de repetitivo ato que confere um desejo insaciado daquilo que não vejo por semanas, meses, anos nessa indescritível sociedade anômala, nesse ecossistema agonizante, com princípios perdidos numa ética heterodóxica que oprime um povo de maioria decente.

Meu "bom dia" deve ter valor, não pode sair de minha boca como um bocejo reprimido. Tem que ser sentido para ser expressado com o vigor de um verdadeiro desejo e encontrar eco nos olhos brilhantes de quem por mim passa ao expressar a mesma intenção, vinda de um amigo ou não.

Portanto, para não abandonar as armas da luta diária e considerar a batalha já perdida em completo desencanto, deixo meu "Olá". Por enquanto.

Rose Paz
Enviado por Rose Paz em 08/12/2018
Código do texto: T6521840
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