Cotidiano
Acho que já percorri milhares de vezes este caminho. Da janela deste ônibus vejo um mundo de edifícios disformes, labirintos de ruas e avenidas, toda uma fauna e aflora humanas saltam aos meus olhos. Da janela deste ônibus vejo a vida passar.
O trajeto é sempre o mesmo e os rostos algumas vezes se repetem. Há o sujeito forte em farda de soldado da aeronáutica. O cobrador que parece nunca fazer a barba. Uma moça que sempre está entulhada de livros acadêmicos. Uma senhora com cara de funcionária pública e um sujeito que parece ter sérias dificuldades para rir. Tem ainda um rapaz que todo dia usa o mesmo perfume enjoativo e que faço o possível para ficar longe dele.
O trajeto é tão longo e rotineiro que praticamente já esquadrinhei todas as pessoas que pegam o mesmo ônibus. Todos nós, de alguma maneira, já nos conhecemos de vista. Será que alguma dessas pessoas já parou para pensar ou imaginar alguma coisa sobre mim?
Hoje vejo-me novamente indo para lugar nenhum. Lá fora o mundo é caótico e desordenado, aqui em minha poltrona estou imerso em pensamentos esparsos e incongruentes.
As ruas passam, as paradas se multiplicam, pessoas entram e saem. Puxo o sinal de parada. Desço e sigo meu caminho. Não olho para o ônibus que se vai. Amanhã começará tudo de novo.