DAQUI DE FORA

Daqui de fora eu vejo sua casa, e é como se um turbilhão de sentimentos rompesse a paisagem simples que se embaralha entre paralelepípedos, construções interminadas e um céu nublado, e criasse uma atmosfera de pura tensão. Em cores que destoam entre o azul, amarelo, branco e verde, eu só enxergo o cinza que se faz entre te sentir e te perder. Daqui de fora eu vejo dentro de mim, e crio cenas resignificadas com as imagens que os olhos teimam mostrar. Olhos míopes e astigmáticos que nunca hão de ver além do borrão. Olhos estes que pedem incessantemente para ir de encontro a tua silhueta, nem que seja em cores desconformes numa penumbra natural. Entre humanos que passam e cumprimentam, nenhuma voz é fielmente a que quero ouvir, destoando entre tons graves, agudos, sons infantis e vozes cansadas de idosos que por vezes insistem num sorriso que não é o teu. Daqui de fora eu consigo ver a alegria das crianças que brincam sem ao menos entender as dificuldades que a vida haverá de colocar sem nenhuma dó. O pôr do sol se apresenta daqui de fora. Insisto em vê-lo com os olhos que apenas vêem, mas as cores fisicamente se perdem dentro do espectro visível impedindo que o mundo fosse visto simplesmente como é. Novamente o cinza se destaca. Um colar, ao qual carrego insistentemente, arde no meu peito e brilha, emanando todas as memórias. O colar colore as lembranças e pinta a rua acinzentada, com seus inúmeros paralelepípedos desgastados do tempo. Vejo-me num estado de êxtase e ilusão que aos poucos vai destoando da paisagem e perdendo a sua vez. Daqui de fora tudo é sistematicamente criado, inclusive os cheiros que nunca hão de ser o teu, para que apenas você possa evola-los ao meu olfato, incutindo no paladar o desejo de provar mais uma vez. Tenho certeza que enquanto tudo isso acontece, neste dia atipicamente normal, você nem ao menos sairá de casa; ainda assim imploro a força superior que te dê ânimo, não só pra que eu o veja saindo e alegre o olhar, mas pra que, através do borrão, eu possa ver seu soerguimento. Já é noite daqui de fora e certamente daí de dentro também, finalmente o universo cede um momento para que os dois estejam unidos. Escuro. Os postes se acendem, as luzes do teu quarto também, e tudo vira um breu iluminado por algo artificial que nunca há de iluminar a vastidão obscura de não te ter. Lâmpadas antigas e novas, unidas para nos juntar em algum ponto luminoso no tempo/espaço. Talvez sejamos as estrelas que mais brilham na terra, estrelas que emanam amor e medo, duas forças que certamente movem o mundo e agora movem as nossas luzes soturnas. Daqui de fora tudo é preto, amarelo e branco. É penumbra. Daqui de fora eu te quero, e daí de dentro, talvez, você também.