Não montei minha árvore de Natal

Este ano não montei minha árvore e nem pus as luzinhas na sacada. Parece algo triste, talvez justificado pela falta de tempo ou de inspiração, mas a verdade é que eu não quis. Não pareceu certo, mesmo doendo o coração.

Ano a ano o Natal vêm perdendo o sentido. Deveria ser uma época de comoção, de alegria genuína por saber que lá no mais alto dos céus por nós vela a eterna estrela divina, a nos guiar na direção da redenção. Entretanto, durante todo o ano, reinaram a insensatez e o desamor. Antes culpávamos o governo e os políticos por todas as mazelas sociais, mas descobrimos chocados que podemos ser ainda piores, justificando crises de ódio, racismo, índices alarmantes de feminicídio, entre tantos outros absurdos, à sombra obscura das legendas dos partidos políticos.

Mentiras foram espalhadas, famílias divididas, amigos antigos passaram a se odiar. Não aceito engolir tamanha hipocrisia, por chegar dezembro e sem qualquer arrependimento, montar a ceia, e atendendo a desejos meramente comerciais, armar uma farsa para a Jesus saudar.

Não quero entrar no mérito da árvore não ter nada a ver com os princípios cristãos e muito menos discutir sobre tradição. Não tenho mais crianças em casa e meus filhos, já adultos, compartilham minha opinião.

Foi um ano tenso, mergulhado em ânimos extremos, cheio de conflitos, violência, más notícias, velhos ranços acordados e novos vilões a vista. Jesus foi muito mencionado e o cristianismo em nada praticado. Ouvi muito sobre valores familiares de gente que nem ama a família.

Não quero tomar parte nessa pantomima, como alguém catatônica afogada nesse mar de lama cotidiano, apenas seguindo um roteiro traçado por essa sociedade decadente que a cada ano vai matando o espírito do verdadeiro Natal.

Onde foi parar o amor?

Minha casa é o protótipo do meu próximo, do meu bairro, da minha cidade, e se me sinto assim é sinal que meu pesar também ecoa em outros lares que sentem e sofrem ao assistir meio impotentes a essa desordem mundial.

Por esse sentimento não ser natural e não ter nada de normal, não montei minha árvore e nem acendi minhas luzinhas de Natal.

Certamente alguns vão me criticar e isso faz parte desse momento peculiar, mas ao não acender minhas luzes natalinas faço um protesto silencioso, na esperança de que minha fé por dias melhores possa ser bem maior que meu coração ansioso pelo que está por vir.

A data não é a verdadeira, mas foi institucionalizada como tal e, respeitando princípios bíblicos descritos em Mateus 18:18: “Em verdade vos digo que tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu.”; creio que ao acender as luzinhas de um símbolo altivo em dias mentirosos, diminui-se o brilho da estrela que há muito anunciou o nascimento de alguém cujo sangue é tão precioso.

Sei que não devo generalizar, ainda mais por confiar na misericórdia de Deus para com os que mantém a fé, mas a aura tóxica que envergonha nossa cidade e desmoraliza nosso país é semelhante aos vizinhos da Venezuela, Argentina, Síria e até Paris.

O ódio e a falta de compaixão não infectaram corações só por aqui, mas o mal é algo que não vigiamos com diligência e o rato se tornou um leão que ainda não mordeu, mas começou a rugir.

Os comerciais na TV com jingles bonitos, ofertas de presentes, os shoppings cheios e uma classe privilegiada de pessoas sorridentes, ignoram os desvalidos, os quinze milhões de irmãos desempregados, os hospitais lotados com moribundos sem atendimento e remédios, os funcionários (empregados) sem salário, a violência que nos encarcera, nossos representantes vergonhosamente presos e outros questionáveis a beira da posse, nossa fauna e flora agonizantes, nossos índios a míngua e refugiados à própria sorte.

O Natal desse ano deveria ser ato de contrição e de profunda reflexão. Deveríamos nos reunir com a família e distribuir, se possível, os esperados presentes sem nos esquecermos do amor, perdão e sermos ainda mais gratos por termos nosso pão.

Sinto falta do Betinho e seu Natal sem fome, sinto falta da comoção popular, independente de esmolas populistas. Sinto falta da honra e da dignidade, da ética e da genuína bondade que era praticada bem longe dos púlpitos das igrejas de fachada.

Sinto falta das cadeiras na calçada e vizinhos trocando gentilezas e rabanadas, suavizando os dias pesados uns dos outros ao invés de farpas políticas, enquanto os lobos em pele de ovelha tramam lucros sobre os milhares de tolos.

Meu Natal será diferente! Usarei minhas palavras, minha arma sem balas, para procurar tocar o coração de alguns e inspirar atitudes mais condizentes com o espírito que me norteia. Esse será meu presente. Provavelmente não poderei mudar o mundo, mas caso contagie alguns, quem sabe meu amor viralize e a paz seja algo possível para tentarmos fazer de 2019 um ano profícuo em um país mais decente.

Ainda podemos sonhar!

Um Natal de união e um Feliz 2019!

Rose Paz
Enviado por Rose Paz em 22/12/2018
Reeditado em 26/12/2018
Código do texto: T6532834
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