A Tempestade

Não era noite. Se fosse, talvez isso valesse de explicação para o céu que agora entristecia como o semblante de um viúvo que maldiz a morte que ainda não lhe chegou. Sim, muitas vezes o pesadelo alheio pode ser nosso sonho...

Nem tão-pouco madrugada. Antes fosse, com sua chuva de tantas estrelas, com seu festival de luzes todas acesas e tantos bichos que enfeitam tudo com seu mistério e seu mais discreto silêncio. Não posso negar, não teria medo se o sono comigo estivesse...

Também tarde não era. As tardes tem um quê de muita saudade, como nos tempos passados quando o carro antigo e negro rodava por também antigas ruas. Eu gostava de ver as gotas que escorriam no vidro em dias quase feios e a zanga do mar em outros tantos. Minh'alma morreu e eu nem vi?

Era manhã e quando vi já havia acontecido. Como um quadro surreal o tempo fechou suas portas e a esperança fechou suas janelas. O vento rodopiou em várias pragas proferidas ao acaso, antigos sortilégios renasceram de seus jazigos O menino estarrecido abriu seus olhos e cerrou as mãos. As nuvens escuras são nossos inimigos...

Qual uma banda mal ensaiada, trovões reclamavam da vida e coriscos exibiam seus flautins reluzentes. Que comece o espetáculo, assim deve ser, assim o será. Que as folhas mortas ressuscitem em sua triste dança, o cheiro de terra alcance nossas narinas, que os pequenos calhaus sigam seu caminho desnorteados...

A tempestade está assim formada. Não há como evitar, não há como fugir. Com ela as tristezas virão em bando, com ela a esperança há de uma hora partir. Não tenham medo, eu já o tive um dia e agora sei que isso de pouco ou nada adianta. Olhemos o abismo com certa coragem, mesmo que a coragem não seja a nossa.

Eis a tempestade! Não mais lá fora, mas aqui dentro de mim...

Carlinhos De Almeida
Enviado por Carlinhos De Almeida em 06/01/2019
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