Batom Vermelho

Gosto da parte em que ela sussurra. Como se estivesse a contar algum segredo, algo que ninguém mais sabe, que ninguém mais além de nós pode saber, as palavras, as palavras em sua boca são vivas, seguras, intensas, ganham forma, ganham cor.

E por um instante tudo parou, o mundo que gira, agora é um lugar, muito além. Repousa-te rapaz, os cabelos em teu colo, descansa em paz tua cabeça sobre as montanhas de um coração.

O mistério no ar, as estrelas contam suas histórias, as nuvens sopram algum rumor ao longe, o horizonte me trará maiores sonhos, quem sabe as cartas de Julieta, as perguntas de Platão. O suspense que se anuncia, o ápice de um conto chinês revelado... Não, não diga as palavras, eu quero ouvir seu coração bater. Suave, leve, como uma flauta oriental, vá até o quarto, coloque a lingerie branca, nua, virgem como Maria, clara como a Lua.

Não, não existe promessas, a noite é uma criança. Aquela garota, não sei, nenhum amor perdurou por mais de uma noite, ela nunca disse, conhecemos essa história mil vezes, "beijos, afagos, e despedidas."

Ela apenas se senta e se aconchega em seu colo. Não há mais nada a dizer, silêncio, sussurros, olhares, não há mais nada a dizer. O calor daquele corpo fora mais que suficiente, por ora, Lá fora, não há vida senão, o som da chuva, o tilintar das gotas que encontram o chão, lenta, calma, V-A-G-A-R-O-S-A, a vagar... o céu não é mais o limite, o céu não acorda, o céu desaba, essa noite, o céu chora. O disco que gira na vitrola, sem pesar, calmo, lento, calmo... agradável e simples como a escrita de Gógol, como acordar fora de hora, feliz a dançar na chuva, como amor à primeira vista, como beijo molhado no meio da rua.

A música é uma nuvem que os aquece como coberta, que nos envolve como névoa. Horas e horas se passam lá fora, ele não vem, ela não acorda.

O Pluc-Ploc do toca fitas, "Algumas garotas querem um sonho americano, mas você vale uma noite, como uma canção de ninar depois que os amantes fazem amor"

Não, ele diz: Não vá amor, não agora, fique aqui, não vá embora.

Mas não seria assim, não será apenas como passar um rascunho a limpo e pronto. Eu quero as palavras, quero a vida, quero sentir o poder percorrer por meus dedos, as palavras, a saltar como se tivesse vontade própria, como se também estivessem vivas, tão viva, tão jovem, tão letárgica, nostalgia, pura, ferida, a mulher que sonhei, a perfeição, a beleza de uma vida.

Eu quero o agora, quero palavras, a verdade, que elas falem, que riem, que chorem. Porque é tão fácil, encontrar românticos, sonhadores, peotas, sádicos. Mas um abraço, o abraço daquele homem... Ele a tomou pelos braços, e assim manteve-na, por dias e horas, o suficente até que o prazer tão rápido quanto a felicidade a deixou e foi embora.

Alguém esta lá fora, dois homens, uma conversa.

Algumas palavras, o que se passa não sei. E lá esta ele, adentrando a porta.

- Pronto, pode sair.

E nada se passou desde então, a noite seguia seu curso, naturalmente, os amantes sonhavam acordados, perdidos, abençoados... ela sorria, estremecia, ele chorava, e ria. Um toque, um sonho, um sentimento.

Mil sensações.

Cena por cena, os pequenos ruídos que abalam a imagem, a expressão de Chales Chaplin, as rasuras da arte, a vida que se passa de cena em cena, capítulo por capítulo, pate por parte.

Estava tudo bem, ela dizia...

Tudo se passara em alguma época, época além do nosso tempo, um romance em preto e branco, uma manhã de paris, um chá inglês, um romance policial, uma noite feliz, embalada num sonho de amor, a miragem de um sonho que se quer guardar para sempre, os olhos, a pele, o corpo, o abraço do seu primeiro homem e amor.

Descansado morna e fria, a camisola cinza, tocante, a seu corpo, os olhos semi serrados, os lábios fartos, incansáveis, o desenho de uma boca, lábios imperfeitos, o cálice sagrado... essa noite ao menos fora diferente, havia sombras, cortinas, espaços, exceto, que não deixara as cinzas, as bebidas, o cigarro.

Quem poderia imaginar algo assim,

Os cabelos escovados pela penugem do rosto, descansados, incomparáveis aos fios de cobre, ao ouro, dormente como águas calmas de praia em suas margens, banhada pelas bordas da feição de uma beleza segura envolvendo toda a forma da impureza de ser, a vida humana, essência, mulher.

Não, não vais partir, não posso deixá-la. E manteve-na em seu braços, pela primeira vez, não deixarias ir, não precisaria ir, pra onde quer que fosse, decoração vitoriana, sonata, carpete, uma sala, uma poltrona. E se tivesse de dormir, dormirias aqui, e não partirias ao amanhecer, nem tão pouco madrugada, e se eu dormir, espere-me acordar, antes que o sol caia, antes da noite partir.