As flores noturnas

Nada do que viria no futuro, poderia surpreendê-la mais. E aí é que morre a esperança. E também a vontade.

Desde que iniciou sua longa jornada por entre becos e vielas por onde o esgoto escorria, sabia que seu tempo na terra era exíguo, e por isso, não importava conquistar mais nada, nem buscar um tratamento para seu vício.

O seu braço já cheio de picadas, e seu rosto envelhecidos 20 anos a mais do que a real idade, denunciavam um previsível fim.

Marianne era covarde. Fraca. E por isso é que, à noite, quando caía sonolenta em alguma viela, é que o diabo vinha soprar palavras reconfortantes em seu ouvido. Palavras estas que prometiam um fim para sua dor sem nome, à custa de uma navalha e um pulso disponível.

A alma de Marianne já não valia grande coisa. Nem seu corpo, que antes serviu de pagamento.

Mas há sempre uma guerra constante dentro do ser humano. E essa guerra é tão óbvia, que a despeito dos floreios poéticos, nunca muda. Nunca é diferente. Porque se de um lado da rua, o demônio espreita, com seu sorriso malicioso, do outro, o anjo, que não tem asas, nem é tão loiro como pintam, estende a mão, na forma de uma senhora que em instantes irá atravessar a rua.

Esta é Marianne, ou o que sobrou dela. Atravessando a rua em zigue-zague, enquanto a senhora lhe estende a mão.

Mas não passarádisso. Porque nada poderá interferir na escolha do homem. As sugestões existem. Mas só o homem pode dar o primeiro passo.

Lá em cima, a noite ameaça descer, como uma barra de chumbo que cai do céu. E a lua parece uma mulher louca, anunciando que lá embaixo, na terra, onde quase tudo acontece, será mais uma noite comum. Com Deus e o Diabo, em guerra.

No pulso de Marianne, já nem se ouve o coração com clareza. Mais uma agulhada. Mais uma perfuração nessa carne podre. E ela nem fala. Só pensa. Sua boca espuma como um cão raivoso. E tudo se mistura às luzes vermelhas giratórias, ao barulho infernal e à voz que quem ouviu, jura que vem do inconsciente, mas que na verdade, vem de um ser externo.

A guerra reside no poder de convencimento. Num valor tão abstrato quanto o amor.E é por isso, que a dor de um coração dopado, é infinitamente maior.

Esta noite quando os vagabundos saírem de suas tocas e as prostitutas começarem a função, verão Marianne morta na calçada.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 17/09/2007
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