Pássaros

Estou sozinho. Não me sinto confortável, eu sou o suéter velho e pequeno de um homem gordo, eu sou o carrinho de compras abarrotado do supermercado, eu sou o sapato apertado e rígido de uma mulher amarga. Estou fora do lugar como um abajur no banheiro, um revólver na igreja, um quadro numa exposição de carnes frescas, ah... e minha ferida fresca, dói, como tem doido, fui cortado até a alma, mas minha pele permanece mórbida, imóvel, profundamente ferida. Fui atingido pelo cansado, minhas mãos tremem, meus joelhos se dobram, eu sou caixas pesadas de entulho, eu sou as olheiras de uma velha, eu sou a bengala que sustenta o corpo tão pesado. O meu corpo é maquina, eu sou maquina, minha alma é passarinho, o meu corpo é jaula, minha alma o vizinho, os meus olhos sangram, os meus poros sangram, tudo em mim sangra, mas não sou eu, minha pele flácida, gorda e grossa, não sou eu. Já não sei quem sou eu. Estou sozinho.