Pessoas de plástico e silicone

Passo os olhos nas redes sociais. Alguns sorrisos apenas trocam de fotos. São as pessoas de plástico. O mesmo sorriso plástico em todas as fotos.

Nós, seres humanos normais feitos de carne e ossos acordamos com o rosto amarrotado, mau hálito, mau humor, cabelos emaranhados e uma dor que parece saber do nosso ponto fraco.

Já as pessoas de plástico, estas acordam penteadas, maquiadas, com os refletores voltados para elas. Pisam em seus tapetes brancos e felpudos e calçam suas pantufas de bichinhos e vão até o banheiro tomar suas vitaminas e suas aspirinas. Os banheiros das pessoas de plástico não precisariam ter vasos.

Eu chego atrasado no trabalho porque o cão ficou doente, porque o trânsito estava parado e porque a minha camisa soltou um botão.

As pessoas de plástico e silicone sempre chegam na hora certa. Só tem bichinhos de pelúcia e cavalos de bronze na estante perto da lareira. Deixam suas roupas preparadas de véspera. Prevêem todos os imprevistos.

Enfie uma faca num pneu de um carro de uma pessoa de plástico e instantaneamente irá surgir um borracheiro conhecido e com todos os equipamentos necessários que irá reparar o pneu em poucos minutos e irá enviar a conta para a casa da pessoa de plástico. Será paga no dia seguinte, pela manhã. Pessoas de plástico não tem dívidas. Pagam todas as contas no dia do vencimento, sem resmungarem se a conta de luz ou o IPTU aumentarem.

As pessoas de plástico e silicone viajam de avião mesmo quando estão sem dinheiro. Chamam de viagem de negócios. Pessoas normais quando dizem que estão duras, tem no máximo alguns trocados para um almoço, uma bebida ou um cigarro. Ou aqueles cartões e cheques especiais que elas não vão conseguir pagar. Pessoas normais tem propensão a se endividarem.

Pessoas normais dão topadas, quebram a unha do dedão do pé, batem com o mindinho na quina, tem pelos encravados, espinhas e algumas vezes até furúnculos. Pessoas de plástico e silicone só tem pelos na cabeça, nas sobrancelhas e uns cílios muito bem espaçados. E aparentemente não tem cicatrizes. Podem comer à vontade o que quiserem que não engordam, mas preferem não comer. Comem apenas folhinhas verdes e outros vegetais coloridinhos que parecem ser de plástico pois nem lhes sujam os dentes. Pessoas de plástico e silicone nunca tem prisão de ventre. Seus intestinos funcionam como um reloginho vinte e três minutos após chegarem da academia.

Pessoas de plástico tem centenas de pares de sapatos e outras centenas de roupas que sempre estão na moda. E compram mais e mais. E tudo lhes cai bem.

Pessoas de plástico e silicone não fumam para relaxar. Podem até temer o câncer, mas o câncer as teme mais ainda. Na verdade o calor das guimbas derreteria seus lábios e dentes de silicone.

Pessoas de plástico e silicone estão sempre com a agenda cheia de compromissos, e mesmo quando não estão falam que estão para causarem inveja aos humanos de carne e osso que tem na verdade dois ou três compromissos sérios durante o dia todo.

Desejo às pessoas de plástico e silicone que sofram, que chorem na frente de outras pessoas de silicone e plástico e que sintam o carinho dos amigos de carne e osso. Desejo que elas saiam pelas noites enluaradas, bebam, chorem, chamem a atenção de todos para si e assumam aos urros que não são felizes. Desejo a elas que cantem em coro entre amigos canções antigas em lugares nada glamourosos, de paredes de tijolos não emboçados, onde o dinheiro não tem tanta importância assim...

Cheguei a acreditar que as pessoas de plástico não morriam. Elas morrem sim. Morrem internadas em hospitais especializados no exterior, morrem em mesas de cirurgia plástica e em colocação de próteses de silicone, mas mesmo assim você dificilmente verá o funeral de uma delas. Elas apenas entram de volta na linha de montagem, dizendo que acabaram de chegar de uma viagem e aparecem misteriosamente rejuvenescidas para colocarem delicadamente flores sobre o seu caixão.