VIL

Havia vileza em seu olhar. Ao contar histórias de tempos remotos, havia pedaços da sua antiga doçura muda. E eu me fingi surpresa, porque, para ti, aquela maldade me era alheia. Eu bem a conhecia. Não posso dizer que já me pertenceu, visto minha incapacidade de desviar da ternura em que sempre me abriguei. Todavia, conheço-a e isso me satisfaz. No momento em que me contastes quanta ruindade já te vestiu, senti vontade de fugir. Fugir de amor e te amar mais ainda naquele momento de fuga. Porque você é tudo o que eu quero. Porque você nunca vai lembrar-me qualquer pessoa que seja ou me causar sensações que já pertenceram ao meu palpitar. Porque eu nunca vou estar certa de mim mesma e pronta para dormir. Você, com sua antiga maldade que ainda desengana o seu olhar, você me abre portas onde paredes são escassas. Você não me dá chaves ou mãos que me guiem. Você apenas diz: “exista!”, com tons herdados do seu antigo eu. Daí, reconheço-me e amo-me seguidas vezes. Depois você me vem com sua felicidade suave, felicidade que nos toca o ombro e devolve o mundo. Você aparece, por razão essa ou aquela, com a felicidade nos ombros. Eu poderia apenas dizer: “estou feliz por você.”, sendo sempre a mesma pessoa. Mas é tão intenso que eu quase me desconheço com o reflexo brando que o mar me traz. É tão real o que você me faz sentir; as palavras não merecem falhas tentativas. Se eu dissesse tudo o que sinto, morreria e encontraria Deus. É impossível tornar toda a magnificência dessa abstração em cimento, concreto. Eu apenas me sou quando tu trazes essa menina em teus ombros. Não me dedico a ti; apenas me vejo, me interrogo, me sorrio. E te sinto, com o meu ser dentro de mim. Como é bom o gosto da felicidade. Como é bom o gosto do que é meu, genuinamente meu.

Amélie Chamborro
Enviado por Amélie Chamborro em 25/02/2019
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