Ato de amizade

Após gritos que simbolizavam força, mãos dadas e discursos expelidos por possuidores da latente humanidade, encontrei a preciosidade residente no âmago da vida. “Vou pra lá, também.”. E fomos. O caminho nada fora silencioso: falamos do dia por si mesmo, de outros tão semelhantes quanto, da família nossa desconhecida, de astrologia e faculdade. Assuntos fáceis, assuntos que não exigem muito da gente, mas trazem um conforto sincero no coração: não estamos sozinhas. Durante o ato, minha amiga havia notado sua presença; talvez pela boniteza e simpatia. Olhei, então, seu rosto: era mesmo amigável e lindo. Minutos depois, fora ainda mais fortalecido pela imprecisão de sua fala, porque possuía língua presa, o que lhe atribuía, talvez, certo charme. Era boa nossa conversa. Era inusitada. Não havíamos planejado nos encontrar, nossos amigos em comum eram raros. Além disso, havia cuidado mútuo: eu prezava pela segurança sua, ela prezava pela minha segurança. Não havia outras intenções. Havia, apenas, a compreensão do que sentíamos em nossos corações. Empatia e amor. Amor ao próximo, amor à vida, amor ao amor. Nós sorríamos com a inédita descoberta: era cômico que numa cidade tão oval nunca tivéssemos nos encontrado, ainda mais no mesmo bairro e com preferências tão similares. Era cômico e bom. Como era bom dialogar com a desconhecida que exalava tanto carinho por mim, também outra desconhecida. O gosto da vida me era sentido e era tão, tão, tão bom. O gosto da vida era forte, mas também era doce. Era sutil e marcante. Era doce e colorido, escuro e amargo. Era gosto de fruta da infância, de macarronada de mãe e de água quando há ressaca. Era gosto antigo, gosto que avó sabe bem. Aquele gosto que só quem prova com carinho gosta; quem nunca provou detesta. Era gosto sem gosto, que daí se fazia gosto. Despedimo-nos e eu pedi, enquanto escrevia meu número em seu telefone, eu pedi que me noticiasse de sua chegada, embora houvesse bares, hotéis e farmácias em seu rumo. Segui meu caminho com um gosto que me despertava sorriso, assim como a careta que nos traz o limão. Era o gosto da amizade.

Amélie Chamborro
Enviado por Amélie Chamborro em 25/02/2019
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