Amigo Imaginário

João, nessa época em que vivo é assim, você engole o choro e segue adiante. O que mais me perturba é que você nunca sabe como ficam as coisas por dentro. A gente vai socando goela abaixo qualquer mal entendido pra não perder a vista e nem o lugar na fila. Deve está se perguntando do que estou falando e por que fazemos isso? - É que não dá tempo de te explicar, nem ficar lamento, tão pouco ter dúvidas. Se não vem uma bola gigante chamada Mundo Moderno e passa por cima da gente. - Se é assim melhor sairmos daqui! - João, não! Por favor, fica! Só quis que soubesse como me sinto! Preciso mesmo conversar com alguém. O problema é saber quando se deve pois veja como as coisas estão indo por aqui. São muitos os compromissos com a sobrevivência. As necessidades não param. Tem a falta de renda. O cansaço só aumenta. É difícil conseguir tempo só pra conversas por causa das prioridades que cada um abraça. - Entende porque te invento? Pra fugir da doença da mente.

Ei João escuta! Café com pão ... Café com pão... Café com pão ... É a Maria Fumaça! Veja quantos vagões ela tem! São as lembranças chegando de uma época de vida mais farta de momentos simples, de gargalhadas altas e muitas conversas sobre as coisas que aconteciam na vida da gente. - Vem , suba! Pula depressa! E lá se vão eles sobre os trilhos cantarolando, contornando as montanhas, se misturando nas cores da paisagem. Um longo apito ecoa já os distanciando daquele ponto. Por um tempo fiquei ali parado, me vendo partir de mim mesmo.

Enquanto voltava pra casa, a pé, não para aquela da estrada de terra por detrás das colinas mas a que fica dentro da muralha, vinha pensando no que me obrigava a ficar nessa fila enquanto ela não anda. Medo de surtar talvez. Apesar de que as pessoas ali dentro mais parecem zumbis do que felizes, presas na grande bola. Aqui dentro não posso mais dizer em voz alta mas continuarei pensando. Não me acostumo com as recusas pra um café. Com as justificativas de distância entre amigos. Tão pouco com os risos restritos a memes e emojis. Quero andar nas ruas, parar nas esquinas pra conversar. Rever sempre que a saudade incomodar.

Amigo imaginário, de Enio Luciano