A saga dos irmãos Rodrigues (Versão revisada)

Quem está de fora enxerga muito melhor

Sete irmãos vindos de uma pequena roça.

Não muito distante, só um pouquinho,

a bordo de uma canoa, rio acima

e era eu o único bebê,

conforme contam os mais velhos.

Se não me falha a memória,

saídos mais ou menos da altura de Maria Ortiz,

que algum dia ouvi alguém chamar de ilha do Bananal

e se não me engano, cheguei a passar uma semana lá,

quando ainda menino, na casa da nossa avó materna,

que como toda imigrante italiana,

e era, como todas elas, chamada de “Nona”.

A primeira das filhas,

que aqui chamaremos de Maria,

sem alusão nenhuma a qualquer outra Maria.

Simplesmente Maria e pronto.

Tive uma madrinha, como todo menino batizado,

mas não me lembro dela,

porém tive uma segunda mãe,

que se chama Maria.

João, aqui denominado, é o que se segue na linhagem,

com pouca bagagem e muitas incertezas,

e de certo, era só do que sobreviveriam.

E eles pagaram para ver.

Se superação tivesse um nome, certamente seria João.

Aurélio, o terceiro

e nada a ver com o Aurélio, do dicionário,

muito mais para uma enciclopédia,

porque sabia um pouco de tudo.

Um filósofo ribeirinho,

com sua simplicidade, sua cachacinha

e o seu cigarrinho.

Só faltava ser de ‘paia’, o danadinho.

O quarto e talvez, o de mais cabeça quente,

Jocimar, podemos aqui assim chama-lo

e sempre foi preciso ama-lo muito,

para poder entender a sua forma

de proceder.

Mas com o tempo a gente consegue ver.

Perseverança devia se chamar você.

Mas de coração, também sempre foi bom.

O único a me visitar no quartel

e o primeiro a nos visitar em seguida,

mas isso mais lá para o futuro,

nos versos que os ventos ainda soprarão,

aqui nessas páginas.

Foi ele também quem me avisou,

quando da partida do nosso pai

e ao mesmo tempo me consolou,

diante da minha impossibilidade de comparecer.

Mas isso também ainda não aconteceu,

aqui nesse relato.

Tonho, aqui também com um novo nome

e o quinto na hierarquia do principado dos retirantes,

porém o primeiro a ser chamado

para uma outra religião,

numa família tradicionalmente católica,

com a Ave Maria todo dia, no rádio, sempre as seis da tarde,

mas isso só depois que o nosso primeiro rádio

chegou.

A fé realmente nos transforma.

A sexta, mais uma menina,

Marinete,

porque aqui todos têm um outro nome,

também fazia parte da tripulação, na canoa

e todos com destino ao que ninguém sabia,

comigo também a bordo,

quem sabe no colo de alguém,

bem provavelmente no da nossa mãe,

se é que ela não estivesse,

no controle daquela pequena embarcação,

rumando rio acima,

porque guerreira era aquela mulher.

Marinete se inventou, se reinventou e, pelo visto, se superou.

Anos duros aqueles e eu era um deles.

Mas em nada ajudava,

apenas observava e dava trabalho.

Fogão a gás, nem pensar.

O fogo era a lenha,

lenha que era carregada por burros e mulas,

mas como não tínhamos burros e nem mulas,

cada um levava um pouquinho, no lombo mesmo,

que nem os burros e mulas.

Literalmente na tora.

O ferro de passar também era a brasa,

todavia cumpria muito bem a sua função,

tanto que nenhum dos irmãos,

saía com roupas amarrotadas.

Nossa mãe não deixava.

Meu Papai Noel usava saias,

mas isso eu fui saber bem depois,

quando a inocência -ai meu Deus,

começou a ameaçar de me deixar.

Ela trabalhava como caixa numa loja de tecidos,

quando não havia ainda confecções prontas.

E a mais bonita, diga-se de passagem,

tendo sido até escolhida como Miss Comércio.

Que legal!

Mas ter irmã bonita era um grande problema.

Cada um comprava o seu próprio corte

e costureira ainda era uma boa profissão.

Um dia Maria decidiu se casar

ou decidiram por ela, não sei bem,

só sei que o namorado com quem eu a via,

era bem mais bonito,

com um nome bem parecido com esse adjetivo

e creio que Maria tenha aceitado o compromisso,

por ela e por nós, também.

Nem sempre a razão e a emoção se entenderão.

Maria enviuvou,

mas essa relação deixou duas meninas e um menino,

todos ótimos e na condução dos negócios do pai.

Boi, café, cavalo, fazenda e peão.

e a família Rodrigues, partia já para a sua terceira geração.

João também não demorou muito,

a partir daí, a se casar,

mas não antes de ter passado,

por um bom bocado.

Aprendeu eletrônica na marra,

carregando tudo, em princípio,

que o seu patrão aceitava consertar,

como o mestre de artes marciais,

nos filmes,

ensinando o seu discípulo a lutar.

A minha paixão por cinema,

que tem muito a ver com você, João.

Lembra-se?

Você trabalhava também como operador de projetor,

depois do seu expediente, como complemento,

(que nunca foi suficiente)

e o efeito do tal projetor,

era como um facho de luz naquela sala escura

e quando a fita se rompia,

era a nossa mãe quem sofria com os palavrões -e a coitada,

nem lembro se algum dia chegou a ir a um cinema.

E por falar em cinema,

esse relato não lembra aqueles antigos colonos norte-americanos,

desbravadores -e sonhadores, no velho oeste, de lá,

em suas caravanas, rezando para não se encontrarem,

com os pele vermelhas?

Eram três cinemas na cidade.

Uma sala principal, num prédio maior

e que mais impressionava.

Dois outros bem menores, quase que secundários,

mas todos pertencentes a uma mesma dinastia ou clã,

pois, naquela época, ser dono de cinema,

era coisa de gente muito rica.

Mas eu não me preocupava nada com isso.

Só queria aproveitar para ver o Bruce Lee,

O Gary Cooper, Alain Delon

e até os Trapalhões.

Mas, voltando ao enlace do João,

essa relação não durou tanto tempo assim,

porém, o ‘que seja eterno enquanto dure’,

de um outro colega escritor, consagrado,

deixou enraizado um casal de filhos,

meninos felizes,

pois até como alguns sábios dizem,

bons pais não se separam nunca dos filhos.

Não dá para dizer de quem foi a culpa,

até porque isso não interessa.

Não deu certo e pronto -ou ponto.

A maior satisfação do sucesso,

é quando este é compartilhado

e talvez a única honra no fracasso,

seja o dom de admitir as responsabilidades

ou parte delas.

Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço

e ao mesmo tempo,

a menos que a química peça uma ajudinha à física.

Não é mesmo, Isaac?

Os espíritos também têm que estar alinhados,

isso de acordo com os romances do gênero

e artigos mais aprofundados,

feitos pelos estudiosos no assunto.

Eles são a nossa essência.

Aurélio também se casou logo em seguida.

Sua companheira enviuvou bem cedo,

mas não antes que o pai curtisse os seus dois filhos,

passando então a viver para eles, e por eles.

Uma bela atitude e ainda mais linda se torna,

quando é espontânea.

E não há dúvidas com relação a isso.

Dois rebentos e ao mesmo tempo,

dois lamentos a mais, entre tantos,

pois como era bom o Aurélio.

Nosso querido irmão e um amigão.

Descanse em paz.

Com aquela mesma paz com a qual você conviveu,

enquanto deu.

Logo em seguida, se casou o Jocimar,

que lembrava o Hulk, em sua fúria,

porém delicado em suas fraquezas

e franquezas também,

pois era, ainda é -ou procurava ser,

sempre muito autêntico.

Sua companheira, um amor de pessoa

e muito boa gente, lhe deu dois filhos,

também um casal e costumo brincar,

que o menino veio retribuir,

os tormentos que ele causou.

Hulk chegava à beira da ira.

O menino continua com eles

e já lhes deu neto -já a terceira geração

e quanto à menina, essa subiu a colina

e vive próximo da capital romana,

aquela mesma que Nero ameaçou incendiar, totalmente,

mas que fracassou na sua intenção,

felizmente.

Talvez ela tenha herdado um pouquinho do meu DNA.

Tonho também se aninhou

e aquietou com o casamento,

depois, é claro, de se converter

e seguir as suas reais convicções.

Um grande pintor publicitário e empreendedor,

por puro talento e vocação.

Também tem um casal de filhos,

lindos e saudáveis,

invejáveis em suas formações.

O menino seguiu as convicções religiosas do pai

e a menina, me pareceu mais empreendedora,

seguindo os dons profissionais do pai.

Isso baseado nas minhas poucas observações.

Eu não os vi tanto assim. Uma pena.

Marinete também se tornou uma senhora séria,

assim como determinavam os costumes da época,

casando também -e inclusive,

com o seu primeiro e grande amor,

paixão que ela fantasiou tanto e se decepcionou,

ao perceber que o seu príncipe encantado,

nunca esteve, realmente, integralmente e somente,

ao seu lado.

Um fato isolado e pouco comum

e quem diria, pois eu também cria,

que conhecia, o príncipe lambão.

Perdão, minhas belas sobrinhas,

pois se vão os anéis, ficam os dedos,

mas ela não teve medo de apostar,

numa nova relação.

E perdão também pela intromissão, Mari.

Justo ele, que por coincidência,

tinha um bar anexo ao grande cinema,

não dele, mas de sua família

e para saírem juntos, os pombinhos,

tinham que me levar,

na condição de irmão guardião,

mas como era ele quem pagava a minha entrada,

eu então não guardava honra e nem nada.

E nem a pipoca, porque não sobrava.

Desde pequeno, eu já considerava ridículo tal excesso.

A vida é dela -e bela.

Eu andava, sonhava e continuei caminhando,

até decidir ir de encontro ao meu grande sonho,

que era estudar e ser ator no Rio.

Quanto frio e que calafrios estranhos!

Sonhar com fome não dava.

Sonho para quem pouco come,

acaba por se transformar em pesadelo

e eu então desisti.

Desisti do teatro,

mas o teatro não desistiu de mim,

já que a vida é o maior dos palcos

e todos os dias ensaiamos uma nova peça.

E qual será a de amanhã?

O meu sonho, era um tanto bizarro -ou medonho,

assim como uma manga madura,

no topo da mangueira, por picardia,

a provocar o menino -e a sua ousadia,

o tempo inteiro,

quando o meu lado, meio mineiro,

me fez repensar.

Eu não seria menino a vida inteira

e a ‘terra do nunca’,

pode até ser interessante nas telonas,

lá para as bandas de Hollywood.

Em algum lugar,

os meus dois e futuros filhos, esperavam para nascer

e eu teria que ter como fazer,

o que fosse melhor para eles,

uma vez que depois deles

-e os bons pais sabem muito bem disso,

não há nada que nos preocupe mais.

Lições da infância,

quando nosso pai não fazia,

porque não podia

e a nossa mãe também não pedia,

porque sabia que o velho,

não faria.

Com todo o respeito pelo nosso velho, é claro,

mas ele me parecia tal e qual um garimpeiro,

sem o faro apurado para o ouro

ou como um pirata, disposto a não se corromper,

por tesouro algum.

Isso quando excesso de honestidade não era defeito.

Depois de mim, ainda puxando a fila,

viriam mais quatro:

Hudson, Loreta, Girlane e Altamir Júnior,

todos nomes fictícios,

mas heróis, de fato, na vida real.

Cada qual à sua maneira,

porque cada um sempre lutou bravamente,

com as armas que têm -ou que tinham,

porém já nascidos na cidade,

não numa grande cidade,

mas a maior daquela região, então.

Situações diferentes, de uma mesma criação.

Não havia mais pedras para quebrar,

lenha para cortar e carregar

e nem água para subir de lata em lata,

todas as madrugadas, do único chafariz que existia,

em São Vicente, o nosso antigo bairro,

aos pés da escadaria, que ainda não existia.

O velho São Vicente,

insistente em não querer também sair de mim.

Latas d’água nas cabeças,

como eu me cansei de ver,

Jocimar e o Tonho fazerem.

Ou no lombo,

como se fosse num Quilombo,

sem querer desmerecer quem quer que seja.

...

-Uma pequena pausa para uma cerveja,

porque está batendo uma sede danada.

...

Os deveres eram outros,

mas com uma mesma responsabilidade,

moldadas pelo caráter,

independentemente das suas personalidades.

Hudson sempre foi um menino amargurado

e para sair, nossa mãe exigia que eu o levasse,

o que significava que eu apanharia na rua

e com certeza na volta para casa também,

se eu não o protegesse, porque,

dado ao seu gênio extremamente difícil,

ele provocava as pessoas

e por ser ainda muito pequeno,

eles batiam em mim,

que já era mais crescidinho

e já em condições de apanhar.

Também deixou uma viúva,

com dois filhos.

Lembram-se da citação de que os espíritos

-ou almas, como preferirem,

têm que estar afinados?

Talvez não fosse ela a companheira correta

ou quem sabe sempre estivesse certa,

diante de uma tarefa tão difícil.

Não nos cabe julgar.

Hudson parecia ter absorvido todas as revoltas,

dos nossos primeiros irmãos,

como se isso fosse uma espécie de provação,

sem nunca se dar uma chance de desabafar.

Guardava a sete chaves as suas aflições

e nunca estava disposto a conversar.

Só esbravejar e agredir.

Convivi muitíssimo tempo com ele,

até porque fomos meninos juntos

e pude conviver com o seu egocentrismo,

algum egoísmo e uma incrível capacidade,

de se sentir o ser mais injustiçado do planeta.

Não estou falando mal e não interpretem assim, pelo amor de Deus,

até porque nem todo espírito vem para aprimorar.

Quando muito, tentar compreender

e, acima de tudo perdoar,

para que ele possa um dia, quem sabe,

voltar.

Uma questão de pura crença,

infundada ou não, como todas elas são,

como uma pessoa melhor.

Perdão também, meninos.

Pai é pai

e todo pai tem que ser sagrado

e em solos sagrados,

todo tipo de prece é bem-vinda.

Loreta também não era de ter muitas amigas,

vivia mais ou menos recolhida,

com uma atração enorme por crianças,

o que fica até difícil entender,

o porquê da vida não lhe ter dado filhos

ou quem sabe, nunca tenha querido,

o que coube a ela ter decidido,

até optar por cuidar das sobrinhas

e em especial uma, que também não cabe aqui citar,

até porque essa não é a intenção.

O que fez com que a tão amável, Loreta,

desviar-se numa das curvas do seu caminho,

diante de tanto carinho dado

e também por ela retribuído, à altura?

Uma loucura.

Todavia, diante da sua brava postura,

de reconhecer -ou pelo menos tentar,

recomeçar,

o que é que nos cabe fazer,

senão ajudar e por ela torcer?

Será que os bons espíritos,

deram uma relaxada

e ela foi pega desprevenida?

Isso somente a vida poderá responder.

Algumas canções nos consolam,

mas, acima de tudo,

fundamental é o perdão.

É certo que Deus existe e é bom,

mas de nada adianta busca-Lo no Firmamento.

Ele está bem dentro de nós e é muito mais intuitivo

do que se ousa imaginar

e nunca obrigou ninguém a morrer na cruz.

Ele é pura sabedoria

e quando nos deu o ‘livre arbítrio’,

foi com a intenção, de que os cristãos -ou não,

não tenham a obrigação de segui-Lo.

O esquilo sabido nunca desafiará o seu predador

e para que tentemos evitar a dor,

é necessário, sobretudo,

tentarmos não nos machucar.

Girlane também sempre foi muito meiga.

Não me recordo dela com muitas amizades

e nem nunca foi de muitos namorados

ou paqueras -termo já ultrapassado,

a não ser com o seu também, príncipe de Vila Lenira,

com quem hoje é casada -e pelo menos aparenta ser feliz.

Ele é professor e,

independentemente de exercer o seu dom ou não,

numa questão de pura opção -ou carência dela,

sebo nas canelas, pois é preciso correr.

Todo magistrado merece o meu respeito.

Girlane,

é mãe de um casal de queridinhos -já crescidinhos,

num evidente sinal de como o tempo passa.

Ou será que é a gente quem passa?

Sei lá -e não quero nem pensar!

Uma mãe muito atenciosa,

com toda certeza,

mas um tanto quanto exigente

e chata.

Toda lata sabe o que tem dentro dela

e a panela também.

Pensar muito às vezes não tem graça.

Nenhuma das meninas foi de namorar muito,

o que de certa forma considero um desperdício,

quando não se tem a opção da escolha,

mas dada à época e à região,

com os seus paradigmas e costumes,

até os vagalumes poderiam ser espiões

-ou escorpiões traiçoeiros

e as moças poderiam ser mal faladas.

Todo mundo faz cocô na privada,

mas ninguém tem coragem de contar como foi.

Se foi...já foi,

mas sempre valerá a pena,

lutar para mudar alguns raciocínios retrógrados.

Com certeza o comportamento feminino evoluiu muito,

mas muito nem sempre é o bastante.

Ninguém é totalmente livre.

Altamir Jr, no final da cadeia alimentar,

me surpreendeu muito -positivamente, é óbvio,

dado aos cuidados que tinha com a nossa mãe,

muito embora eu tenha convivido pouco,

com eles naquele período tão deprimente

e de repente não tenha sabido como foi,

exatamente.

O excesso de confiança pode até ter me traído,

porém, o Altamir, jamais.

Ele não tem o perfil de traidor

e também pode ter sido traído pela dor.

A dor do arrependimento pela escolha equivocada,

numa hora pouco provável,

naquele instante em que a razão descansa

e nos deixa a mercê das emoções, apenas.

Que pena,

mas, relembrando a teoria dos espíritos afinados,

creio que o de ambos nem sequer se falavam.

E onde é que fica o menino,

fruto daquele grande amor?

Filho não quer escolher entre ficar com mãe ou pai.

Quer e merece ficar com ambos.

A irresponsabilidade para com a vida,

é um pecado mortal.

Mas ele jamais deixará de ser nosso irmão.

-Espero que ele, pelo menos, tenha mantido o bom humor em suas boas piadas.

Essa irmandade está no pacto oculto de sangue e na convicção.

Cada um tem a sua,

mas é da rua que se observa melhor,

os estouros dos fogos,

de quando ainda havia são João.

João, nosso irmão, deve ter-se magoado

e eu não tiro a sua razão,

mas se todos já têm o seu teto,

o mundo não ficaria muito mais completo

e justo,

se também houvesse redenção?

Perdão,

mas se somos todos irmãos,

os sorrisos têm que ser compartilhados,

buscando sempre reconhecer,

a missão dos espinhos na flor,

que é de somente proteger.

Não se trata de ser a favor deste

ou contra aquele,

mas se Aquiles fosse prevenido,

quanto a vulnerabilidade do seu calcanhar,

talvez não tivesse sido derrotado.

E quem eu sou?

Sou aquele bebê na canoa,

que de repente sobreviveu com a grata missão,

de contar essa corajosa saga dos meus irmãos

e podem me chamar de ‘Copo’,

apelido dado pelo Tonho,

que também tinha o seu: Culico,

que somente ele poderá explicar o porquê.

Ele tinha o hábito de apelidar os irmãos,

inclusive passando a chamar a Girlane, de ‘Cula’

e o caçulinha, de ‘Bileco’,

numa alusão ao boneco/palhaço,

de um antigo programa de TV,

como o Fofão e o Bozo o foram também,

noutras épocas.

Girlane, também era Cula e vai se saber lá o porquê!

O ‘Copo’ não era o de se tomar cachaça,

até porque eu ainda era muito menino para beber

e sim, por me aproveitar sempre do café,

que pingava do antigo coador,

utilizado por nossa mãe depois de coá-lo.

‘Copo Sujo’, eu me tornei depois,

durante o serviço militar,

lá mesmo, às margens do rio Santa Maria,

outra das minhas tantas saudades.

Mas eu não estou aqui para falar de mim

e como um bom fofoqueiro,

quero mesmo é instigar

e tentar homenagear vocês.

Que delícia essa pequena dor de saudades,

de verdade

e como é bom ainda ser chamado assim.

Saí de casa cedo,

mas não tão cedo que não pudesse aprender,

com os que muito colaboraram na minha criação

e ensinado -ou pelo menos tentado,

aos que vieram depois de mim.

E hoje eu já sou capaz de reconhecer,

que ainda continuo aprendendo,

com vocês todos.

Mas, enfim,

como tudo tem o seu tempo,

com certeza ainda há muito o que aprender.

Ninguém mais arrisca ter tantos filhos

e comparando os nossos índices de acertos,

com certeza ninguém vai duvidar,

que o bom Deus sempre esteve do nosso lado.

Bem-aventurados os que creem nisso,

mas não existe feitiço algum,

somente a força de espírito dos nossos pais,

que sempre estiveram ao nosso lado,

com a sabedoria,

de nunca se abandonarem.

Para espíritos trocados, o trabalho é maior.

Nossa mãe partiu um pouco depois do papai,

quem sabe porque a sua missão, fosse um pouco mais complicada

e por falar nela,

observem que com a sua partida,

o mundo do Hudson desmoronou,

tendo inclusive desistido de viver,

tendo também abalado as estruturas da Loreta

e nem mais os irmãos são os mesmos.

Pode até parecer coincidência,

mas eu, particularmente, não creio no acaso.

Com a perda dos pais,

todos perdem alguma referência.

Uns mais e outros menos

e isso está na ciência do comportamento,

quando o tormento vem mais forte,

principalmente, para os supostamente, mais protegidos.

O sábio sertanejo aproveita o tempo bom,

para plantar logo

e é uma estupidez insistirmos em acreditar

-e também ensinar,

que nada e nem nunca, vai mudar.

E os espíritos?

São os ventos que vêm nos soprar as mudanças,

boas ou más.

E também para inspirar esta tentativa de prosa.

Também tenho os meus fantasmas, meu povo,

bons e maus,

sem, é claro, o lençol branco que os encobrem,

traje que os caracterizam,

responsáveis por meus atos e gestos,

entretanto,

dado ao tempo e circunstâncias em que saí,

-e isso há quase quarenta anos,

percebo que os bons, muito me ajudaram

e que os maus,

não me atrapalharam tanto assim.

Me considero um privilegiado

e, graças a isso,

procuro tão somente respeita-los

e conviver com eles.

Contudo, insisto em crer,

que mesmo sem a atual tecnologia,

que antes não existia,

as coisas eram um pouquinho mais fáceis,

sem a intensão de desmerecer,

os seus antigos calos nas mãos,

mas até na pobreza, irmãos,

havia mais dignidade.

E mesmo diante de tantas dificuldades,

na realidade, todo mundo chegou.

Uns assim, outros assado,

porque todos sempre estiveram do lado correto,

que é o lado do bem,

se bem,

que não conheço outro meio.

E perdão, por favor,

por ter abandonado a canoa,

mesmo que isso tenha sido bem depois que ela abarrancou

e vocês já tinham quebrado toda a pedreira,

que me impedia de ver o mar.

E, obrigado por tudo, de coração, irmãos!

Esse autor também agradece e pede perdão,

aos mais velhos, por não ter permanecido,

para poder retribuir

e aos mais novos, por ter partido,

quando talvez mais precisassem de mim,

mas,

diante do princípio de que,

ninguém é capaz de ajudar a alguém,

antes de se ajudar também,

crer ser possível perdoa-lo,

até porque,

por tudo o que ele passou,

já se perdoou.

rodriguescapixaba
Enviado por rodriguescapixaba em 14/03/2019
Reeditado em 21/12/2019
Código do texto: T6597665
Classificação de conteúdo: seguro