Estradas

Perco-me propositalmente ao longo do caminho, quebro silenciosamente o padrão que me algema, traio-me ao dizer que em meus passos há intuição, há predestinação, há algo além do desamparo que me tira a opção de fugir de tudo o que há e houve; eu voltaria para o mesmo lugar, faria as mesmas coisas, temeria as mesmas considerações se eu pudesse avistar uma brecha de saída do que construí para se tornar minha própria prisão.

Mentiria com escrúpulos de novo e de novo, há uma temporária paz em negar até o último resquício de consequência, ver até onde duraria viver em farsa, observar o desmontar do quebra-cabeça e voltar até o inicio com suas peças que não se encaixam umas nas outras.

Há um cheiro diferenciado, um gosto atípico e uma sensação avulsa pelo tempo restante que devoro em mordidas impacientes e insaciáveis. Vivi infinitamente momentos como esse dentro de mim, agora que está realmente acontecendo, procuro incessantemente por alguém cujo a culpa cairia sobre si, e assim, eu poderia lavar minhas mãos sujas à intenção de repetir o crime novamente, mas desta vez, acompanhado pela falsa convicção de que seria um ato perfeito e ultimato.

Não faz parte das ações o certo e o errado, existem apenas maneiras de prolongar o dano que cada uma delas irá causar. Não esculpi em mim a imagem de meu desígnio, não me tornei quem imaginei que eu seria no distanciado futuro, não pude seguir em frente após a realização e o contato dilacerante entre os sintomas da realidade, não fui capaz de me guardar à mim mesmo.

Esta face é irreconhecível; evoca uma única nuance ouvir estas palavras desconexas, revisitar memórias embaralhadas e indistinguíveis com o que fora sonhado e cobiçado, ver o destino fadado a vagar em intermináveis jornadas à procura de incertezas e irrealidades.

As estradas são infinitas e imprevisíveis, ando à pé, vou até onde o meu caminhar por curvas, linhas retilíneas, regressos e solos desconhecidos me levem. Até o fim do caminho, até a repetição de tudo nele, até onde posso descansar minha exaustão e esquecer dos motivos os quais levaram-me até aqui, apagar tudo e criar algo próspero das cinzas, reescrever minha história e meu nome em diferentes linhas, encontrar um lugar seguro para enterrar todas as angústias, ser o que não pude ser em diferentes alternativas além do que é passado, e o que é agora.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 14/03/2019
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