Codinome Resistência
Início de tarde, fazia sol e tinha chuva
Ora sol, ora nuvem, e então sol
Meu rosto molhado de suor
E mesmo assim a vida não parava
O motorista parou o ônibus bem mais além
Como era de se esperar
E então corre, sinal aberto, tempo fechado
Corre, sem desejos, corre
Corre, esperando, soluções, corre
Janelas cerradas, punhos forjados
Rajadas de vento, próxima parada
E o vazio aumenta dentro de você
No ponto indicado, deixo que o motorista se vá
Na discussão interminável entre ele e o terminal
Ao longo da rua, armazéns antigos e sonolentos
Talvez o ponto mais movimentado em décadas passadas
Na flamejante e solitária zona portuária da cidade
A mais bela dama que não ousa dançar comigo
Porque dela já tiraram seus movimentos precisos
E não cabe em mim a malevolência dessa tristeza
Exceto a saudade que exala das pedras cinzentas que se curvam sob a melancolia dos meus pés
Dois caras desenhavam com sprays um operário com uma garrafa de coquetel molotove em sua mão enchendo um copo para uma próxima dose
Era magnânimo como o brilho das chamas tocava o seu rosto
Numa outra parede, o rosto do Willie Nelson, com quase dois metros de altura, que coisa linda
Esgoto a céu aberto, sim, é verdade, fumaça de cigarro
Cheiro de cachaça, armazéns vazios, ruas vazias, tudo vazio
Alguns conversavam sobre música, outros sobre política
Uns falavam que estavam largando as drogas
Outros se afundando ainda mais
A chuva atrapalhou boa parte do que estava previsto
A música e a poesia ficaram para outro dia
Mas não o movimento
Os lamentos, as bocas cheias de tormentos, as pessoas cheias de saudades, expressando suas mazelas personais nas paredes As quais também estariam sozinhas na madrugada fria
E eles seguiam criando suas pinturas, e eu cumprindo o papel de quem veio apenas para olhar, flutuando no vai e vem dos seus pincéis e no sacolejar dos seus sprays
PALAVRA DE ORDEM! - Alguém gritou - SOMOS A RESISTÊNCIA!
Mas éramos tão poucos, quase nada, no mundo impossível desta cidade que insiste em nos engolir, que insiste em nos ver cair, sem rio, sem flores, sem nada.