A TERRA DOS HOMENS CLONADOS
Na terra dos homens clonados
vi o avesso de um sorriso escorregar
para dentro de uma flor.
Havia tanques de aço esmagando
ossos ensanguentados de crianças famintas
e capitalistas queimando dinheiro na chama de suas paixões.
Vi um deus chorando a falta de adoradores
enquanto uma miríade de anjos rastejava
sobre um chão negro e duro como pedra.
Eles tinham as asas cortadas
e de seus lábios escorriam lavas incandescentes
que se transformavam em minúsculos diamantes
que os homens clonados jogavam no mar
para alimentar peixes de madeira.
O avesso de mim elevou-se à altura dos meus ombros
e projetou na parede de um velho templo
as coisas que foram imaginadas sem nunca
terem vindo à existência.
Quis fugir, mas os homens clonados não deixaram.
Do que tens medo?
- perguntaram ao mesmo tempo -
Quis falar, mas minha voz escorregou por dentro de mim
e fez explodir no peito uma sensação de impotência e temor.
Não tenha medo!
Agora eu ouvia a voz dos anjos de asas cortadas
que haviam parado de soprar diamantes.
As cenas na parede do templo eram invertidas
como o canto que saía da boca de meu avesso.
Lentamente meu corpo envelhecido se rejuvenescia
pois o tempo andava para trás.
A multidão de homens clonados estava sentada atrás de mim.
Parecia um bando de crianças pela primeira vez em um cinema.
Em preto e branco voltei ao passado
até penetrar em uma noite chuvosa
à beira de uma cabana onde habitava
uma morena de longos cabelos negros
que morria de saudade do amante
que havia partido
para colher pérolas no fundo do mar do Caribe.
A noite tomou a forma do espaço à sua volta
e as lágrimas da morena caíram no chão negro
da terra dos homens clonados
formando um lençol prateado
que iluminou todo o ambiente.
Como em um sonho dantesco
vi os mortos queridos ressuscitarem um a um:
meu avô, meu pai, minha mãe, minhas tias e duas irmãs.
Meu avô mascava fumo
e tinha as unhas pretas da cor do fumo que mascava.
Minha tia Penha tocava acordeom.
Minha prima Rúbia cantava
“Pra não dizer que não falei das flores”.
O homem que mergulhava
no mar do Caribe chegou de repente na cabana
e abraçou a morena de cabelos longos.
A chuva aumentou e um forte vento arrastou
a noite para dentro de um tanque de aço.
Meus parentes se misturaram com os homens clonados,
exceto minha prima que ao terminar a canção de Vandré
começou a distribuir entre eles os fuzis
que os capitalistas haviam abandonado sobre o chão negro.
Então perguntei às minhas irmãs
porque meu pai e minha mãe não vieram
com eles do outro lado da parede do velho templo.
Os dois resolveram dar início
à outra geração depois que descobriram
que os novos filhos seriam nossos clones.
Fiquei triste e com saudade deles,
mas não tive tempo de chorar.
Viva a Revolução!
Viva a Revolução!
- gritavam os homens clonados dando tiros para o ar -
E marcharam sobre os tanques de aço
que se transformaram em poças de sangue.
O deus que chorava por falta de adoradores
era agora um simples militante
do exército dos homens clonados.
Todos eles liderados por um homem de barba grande
vestindo um uniforme de guerrilheiro.