PENSAMENTOS NUM DIA TRISTE QUALQUER

(Para Edil C.)

Tristes pareciam os outros. Assim eu pensava.

Mas roto era eu, esgarçado, roído, comido de vilanias

por fora e por dentro.

Vilãs as vias das dúvidas que me assaltavam o pensamento armado de pau e dentes.

E contentes pareciam os outros e não eu. Assim eu pensava.

Ali, amordaçado, vendado, vendido aos comerciantes do mercado

do deus marcado a ferro e a fogo.

Não valia, mais valia, tudo desfalecia. Tudo era um jogo.

Não sei se Freud, se Marx explica,

penso que ninguém nada explica e tudo está fora de razão.

E eu ali, parado, sondando o insondável mistério da vida, dádiva

doida e doída de quem sabe-se mais insano a cada dia.

Olho pro tempo. E as horas que badalam são as mesmas de ontem.

Apenas o sentir é diferente nesse cenário maluco.

Na igreja, a missa em latim. Ora pro nobis vende-se na feira.

E óculos embaçados que, ave-maria!

A preço de banana. E vem um bacana cuspindo uma hóstia

de óculos rayban.

E relembro que anteontem rifaram binóculos sem futuro,

na quermesse em frente. Os mesmos que agora me olham distantes.

Big brother, ali na esquina, pregado no poste, quem sabe?

Vendidos pareciam todos. Assim eu pensava.

Mas o escravo era eu mesmo. Pregado no tronco, no cepo, no toco,

no oco do mundo, terceiro mundo de quinta categoria, esse meu.

Mesmices de sempre, cantilena que na cantina se serve

sem valor algum no pregão de olhos insones. O martelo é delay.

Mas tive visões desvistas noutros tempos em que fui o que hoje

nem mais sei. E pensava que via. Assim pensava eu.

Mas tudo era ilusão, tudo mentira, até mesmo a profissão de fé

no futuro, em promessas, e outras coisas essas que eu mesmo não sei.

Todos pareciam tolos, menos eu. Assim eu pensava.

E fui dando corda ao relógio maluco, um cuco estragado, sem canto, sem palmeira e sem sabiá.

E pensavam que eu sabia o rumo. Nem sabiam que me levavam.

Não desconfiavam e nem imaginavam que eu, ali, fora de prumo, era mesmo um cigano sem rumo, sem norte, um mero cristão esperando

apenas, no final de tudo, um caixão para me selar a sorte.

E vem a rasga-mortalha. Em silêncio, ouvia anjos.

Assim pensava eu.

José de Castro
Enviado por José de Castro em 05/05/2019
Código do texto: T6639264
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