Maturidade e gratidão

Maturidade e gratidão

De repente, me dei conta de que não escrevo em prosa. Atribuí a isso a minha quase total incapacidade de relatar o que quer que seja em uma ordem cronológica sequer adequada. Dei então para poetar. Sem nenhuma pretensão de contribuir literariamente com meus raros e esporádicos leitores, mas apenas pelo prazer de descobrir-me fora de mim, De poder olhar-me grata ou severamente conforme as emoções me aflorem.

A escrita passou a compor minha alma sedenta de arte. Escrever é cantar com tinta. Posso ouvir os sons da minha escrita.

A vida tem-me sido mais generosa do que enfadonha ou cansativa e por isso posso assegurar minha dose diária de gratidão e dormir com um sorriso nos lábios ao lembrar do perfime dos cabelos dos meus filhos, por exemplo , (não há perfume melhor!) , ou dos sons de suas risadas pela casa.

Sou grata pela simplicidade do dia-a-dia e pelas ternas lembranças de minha infância, por onde sempre viajo alegremente ao ser despertada por um aroma familiar, por imagens formadas nas nuvens ou qualquer outra manifestação de saudade aparente .

Perco-me às vezes na sombra de acontecimentos recentes que me aparecem como vestígios remotos de algo vago, distante, próprio dos tempos corridos e desprovidos de memória .

Talvez a idade me pese ainda mais abstrata que fisicamente após dores incuráveis e curas memoráveis .

Certa de que não há mais o que eu possa mudar no que vivi, no que fiz, no mal que fiz, no que me arrependi, espero liberar-me o perdão necessário para que o curso de minha vida siga sem mais desastrosos desvios e que minha teimosia seja mais competente e menos recorrente.

Por fim, apesar de ter por muitos e por mim mesma reconhecida alguma loucura em mim, continuarei escrevendo pra não enlouquecer .

CLÉRIA BARROS

Cléria Barros
Enviado por Cléria Barros em 05/06/2019
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