Manuscrito Manchado de Mate

A nós, escritores, não nos cabe contar vis histórias. Escreveremos sobre nossa insônia, nossos porres... Escreveremos sobre as mulheres com quem dormimos, e sobre como, no fim das contas, estamos sozinhos. Pouco importa as anedotas de nossas vidas de ratos... O que temos para dizer sobre a vida? Em que medida a intensificamos; em que medida nos fortalecemos? Há que se saber... extrair o necessário de cada acontecimento.

Não basta coragem para erguer a pena; é preciso crueldade, um bom humor, sutilidade... Estamos condenados à própria solitude. Não há leitores para nossas palavras, nem mesmo ouvintes para os nossos versos. Somos então ratos, esquadrinhando o subsolo (?). Os abutres voam baixo; algo fede. Espreitam a nossa morte. Querem saber por quanto tempo duraremos como homens.

Meus amigos; é tempo de abandonarmos a humanidade. Nossos manuscritos pesam em nossas costas, como excremento, espólio de qualquer coisa absurda... e premeditada. Miseráveis que somos, não servimos senão de resto para os cães.

Não sejamos estúpidos, ao menos. Na medida em que se vive como homem, desdobram-se, risivelmente, montanhas de prosa encaminhadas para a morte. Há que se espreitar: a veracidade de vis histórias de alcova, não passa de uma pia demagogia.

Por muito tempo nos contentamos com o que é verossímil; até sermos arrebatados diante de uma questão mais fundamental: o caos. Pensar é pensar o caos.

Contar uma história- testar a sanidade moral dos homens; merda ornamentada. Tomamos o corpo de cristo em nossos braços; e assim ficamos como um drama eclesiástico demasiado humano. Sejamos sensatos: Não há nada para ser dito sobre um cadáver exangue. A vida urge nas esquinas.

Talvez estejam cansados meus amigos. Mas quando foi que lhes houve forças? Não se consumaram, pois, na condução espontaneísta de um corpo já a muito desvanecido? Definha todo aquele que não escreve com sangue. Dou-lhes um ultimato: a nós, escritores, não nos cabe contar histórias!

Primeiro, urinemos sobre a cabeça dos homens. Ateemos fogo em nossos escritos, pois eles não dizem nada. É preciso escarrar diante da complacência cívica; ir até a igreja e abandonar a ascese da estupidez universal; despir-se diante do pudor dos padres. Concedamos a eles, a mais destilada lascívia e a mais abrupta escatologia.

Não se trata de uma vil espontaneidade, ou da balbúrdia de reles raquíticos. Trata-se, pois, de ser mais do que uma ameba.

De vinho já estamos fartos; embriaguemo-nos com silêncio! Quebremos todos os espelhos. A vida, outrora esmaecida, reverbera em tudo diante de nossos olhos. Percebemos que estávamos mortos. A vida emerge como uma fatalidade.

Os sinos dobram e nossos corações enchem-se de sangue, o fluxo inabalável do tempo atravessa-nos no mais profundo suspiro- um suspiro da vida. Tudo está prenhe de sentido, e em nosso olhar, deflagra-se o sol de todas as coisas.