VERDADES FINGIDAS

Ninguém percebe, mas ela tem um plano. Engana os sentidos para que pareça tudo tranquilo. Camufla as palavras com a delicadeza de um véu esgarçado e sem mais serventia. E ainda assim, ela não quer rasgar a ilusão da felicidade.

Ela finge que não se importa, que não regula o calendário com a ausência que traz em sua sombra. Diz que não há problema em misturar os dias, pois tem certeza de que cedo ou tarde o impasse se resolverá. E quando tudo mais for passado, isso também será parte da areia que debaixo dos seus pés desliza pela ampulheta. É o tempo dela. Só dela. A sós.

Talvez nem seja fingimento de verdade. Talvez seja mais uma proteção, uma capa de chuva a repelir as lágrimas que não respeitam o seu momento. Não importa o quanto ela se esforce, o sorriso vira canoa e navega pela melancolia. Se deixa deslizar pelas semanas.

Agora tenho certeza de que ela não finge. Nem a dor, nem mesmo o amor. Vê, ela não reclama da demora, do rabugento destino que não se apressa pra nada. Nem mesmo para acertar as pedras do caminho. Nem mesmo para consertar os ponteiros que já perderam a noção da saudade.

Nunca finge. Posso apostar que não. Ela só não fala o quanto espera. E o quanto esperará até que o mundo gire mais devagar e lhe jure também esperar por ela. Enquanto isso guarda as promessas na barra da saia, costurando pérolas e estrelas arrancadas dos seus sonhos.

É o plano dela. Não só dela. Também dele. Nunca mais serem sós.