Alma una em universo vário
Tive a alma perdida em encontros vários e múltiplos
com almas várias e múltiplas de outrem.
Vaguei por inúmeras regiões distintas,
julgando poder assimilar tudo
sem nada perder.
Tantos estados contraditórios
e paisagens contrapostas,
tantas oposições irreconciliáveis
e paradoxos insolúveis,
até que, de repente... o caos, a absurdidade,
o horror, a perplexidade. Quem sou? Onde estou?
Que é espelho, que é imagem, que é real?
Várias e múltiplas foram as respostas -
opostas, contrapostas, contraditórias -
que, de várias e múltiplas direções da alma,
acorreram à súbita e premente ânsia de saber.
Nas respostas, as mesmas e inerentes qualidades das perguntas.
Então, parei de perguntar e de me buscar,
como quem se exaspera e desiste
de trocar roupa após roupa diante do espelho,
sem saber qual delas vestir, qual a que cai bem,
qual vai melhor e parece mais autêntica
em qualquer ocasião.
Só, defronte ao espelho, despi-me de almas
e fiquei longo tempo contemplando, em silêncio,
meu ser desnudo de todos os substantivos e adjetivos
e demais complementos...
Mas sem nada entender, tão presa estava ainda
à substancialidade das vestes e à refração do eu.
Um olhar virgem e pasmo fitava
aquela imagem tão nítida e una... e tão sem sentido.
A mente esvaziada de significados intuía, sem coerir,
a unidade do verbo realizado.
Via sem saber que via, sabia sem saber que já sabia
toda a resposta preexistente à pergunta.
Ali estava a resposta desvelada na literalidade da nudez!
Alma nua, ente nu, verdade nua!
Luz e coerência, enfim!
Ando hoje por encontros vários e múltiplos
com almas várias e múltiplas de outrem.
Sou a que vagueia com luz própria em torno à alma alheia,
saboreando, absorvendo, assimilando ou rejeitando
toda a riqueza vária desse universo múltiplo;
mas agora coesa na verdade,
esta com que o olhar me contempla
no espelho da singularidade essencial do eu.