Tiro de misericórdia

Meus pensamentos capturados em versos,

meus rostos espelhados

em reflexos...

São estilhaços do explosivo lançado,

confesso.

São apenas partes de um projeto muito mais complexo que sou.

Uma realização abortada

em sua concepção,

uma esperança exaurida

em seu parto.

Um ninho em sua árvore destruída.

Tiro de misericórdia em quem já não sentia dor.

Eram mais arremedos de desejos,

daquele casal que um dia sonhou

nada mais que ter um cantinho

pra uma família feliz.

Mas seis filhos em um

quartinho,

ninguém jamais quis.

Tiro de misericórdia

na braguilha do vovô.

que horror!

Não sei se dou ou se tiro.

Sei que atirei pra valer

na virilha da mamãe quando nasci!

Vim ao mundo como

Verdadeiro fora da lei.

Sem eira nem beira.

Só uma marca.

Velha marca de família

a me estigmatizar.

Algo posto sobre a pele.

Apenas essa cor já diz para todos o que sou, quem sou, de onde vim.

Mas cada um advinha

exatamente o meu destino.

Quem não consegue

providencia um caminho para mim.

E assim vou.

Caminho lutando para me equilibrar nessa estrada que é uma corda bamba sem fim.

O fim é o despenhadeiro que me parece sorrir.