As pintas e eu

Minha avó tinha a pele cheia de pintinhas

Herança de trabalhar de sol a sol

Desde a infância

Imigrante, chegou ao Brasil recém-nascida

Em uma época que trabalhar cedo

Não era crime.

Minha avó cozinhava muito bem

Guardo com carinho algumas receitas

Que só eu sei, vejam bem

Porque era sua companheira

Isso é motivo de revolta nas irmãs e primas até hoje

Mas que culpa tenho?

Era para mim que ela pedia

Que colocasse linha na agulha

Em sua velha máquina de costura Singer®

Era eu quem experimentava os bolinhos de chuva, os bolinhos doces com pinga, que aguardava, não o pote onde era batida à mão a massa do bolo, mas a panela onde ela tinha acabado de fazer polenta, e comia aquela crosta que ficava no fundo(e isso eu nunca consegui fazer: deixar aquela casquinha delícia de polenta no fundo da panela, culpa das panelas de hoje em dia, com certeza...claro!)

E meu avô, também imigrante,

Me escondia em um enorme baú de madeira

Quando minha irmã me chamava

Porque viria bronca na certa

E eu até dormia nele, entre as rendas herdadas da Nona Espanhola e o enxoval que ela guardava no baú.

Tudo bem que meu avô me escondia "escondido" dela...

Eu amava o cheiro, a maciez...

Essa prosa, meio poética

Acontece hoje porque minhas mãos

Estão cheia de pintinhas

Feito as delas...

E eu me lembrei, o quanto eu fui amada por ela!

E me lembrei também o quanto eu pensei que fosse amada por você.

E a saudade dominou meu coração...

Senti falta dela, de ti, e do quanto eu já fui feliz um dia.

Vontade de me esconder naquele baú.

Ficar lá, protegida, amada e cuidada.

E definitivamente, vou me tornar uma velhinha malhada, cheia de pintas, cheia de marra, cheia de saudades.

É isso ai!

Brisando
Enviado por Brisando em 14/08/2019
Reeditado em 14/08/2019
Código do texto: T6720214
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