SOBRE BATATAS E ROSAS

Eu estava escrevendo um post usando o celular e a bateria acabou, perdi o texto, sorte dos meus leitores porque o assunto era "o mundo de hoje ultimamente nos dias de hoje de novo" - era sobre os nomes que estão dando para o “tempo presente”, essa conjuntura nefasta reciclada que nos mastiga mundo afora a todos.

Quando sinto a compulsão de falar de política me esforço para lembrar que faço isso em sala de aula - lugar onde formei gerações de mentes abertas - ensinando História.

Aqui, o espaço é para outra coisa.

Retomando, agora com teclado espaçoso, regresso do meu jardim. É dele que eu quero falar. Se o caro leitor tiver paciência e tempo...

Eu sempre tive jardins. Mesmo quando não tinha um palmo de terra, plantava em vasos. Em certa circunstância na minha vida, quando fiquei sem chão e sem vasos, tão vazio como uma lata de coca cola no lixo, dei de inventar jardins onde pudesse esperar.

Enquanto eu compunha o livro TECIDO NA PAPELARIA em meados de abril, mexi na pouca terra da casa em que moro agora e plantei no centro de um triangulo trapézio escaleno o primeiro jasmim não inventado da minha vida e em volta dele dispus um circulo de margaridas. Depois pus para acordar nas linhas paralelas laterais dez Amarílis mudas que dormiam. Na linha reta menor, uma fileira de Espadas de São Jorge viradas para a rua que dizem traz proteção. Calcei levemente o centro com pedregulhos polidos que trouxe do rio Grande e, entre as pedras, um solitário Caminho de Jesus faz companhia À solidão de uma babosa ainda menina. A sombra discreta do Jasmim deve amparar, tanto a esquerda quanto a direita, raízes secas na terra úmida.

Transpus finalmente aquela roseira que estava no vaso, é uma trepadeira que tem muitos braços e em cada um deles cachos firmes de mine rosas de inúmeros tons coral.

Quando mudei para essa casa, alguém tinha limpado o jardim que havia antes, limpado com enxada, deixaram a pouca terra mais pobre sem nada, no torrão enquadrado por essa figura geométrica bonita eu vi nascer o TECIDO NA PAPELARIA.

Soube antes que ali tinha uma roseira exuberante e que a antiga proprietária do jardim distribuía rosas para a vizinhança. Depois da primeira chuva tímida de agosto essa roseira sacrificada brotou com vontade de florir. Quem passa na calçada pára e me conta histórias sobre quem cultivava o jardim antes de mim, antes de ela própria falecer, espalhando encantos pelo bairro. Eu respondo, para finalizar a conversa, que também vou distribuir dessa roseira que voltou as cores para quem passar e parar. Mas a minha rua é movimentada, não sei se terei rosas o suficiente, minha casa está plantada no ponto equidistante entre uma igreja antiga e uma biqueira nova, o movimento de mão dupla me revela que uns e outros procuram remédio errado para certos males.

Por fim, o inusitado do inusitado aconteceu no canto oposto da roseira trepadeira. É que usei uma técnica recomendada de plantio e espetei uma estaca Príncipe Negro, roseira que dá o vermelho mais intenso e escuro que uma rosa pode suportar, numa batata e enterrei minha esperança entre mimosos Beijos Turcos. Para minha surpresa, e motivo de longas conversas com que vê meu jardim do lado de fora, ergueu-se do chão... um pé de batatas!

O Príncipe Negro que tenho no jardim agora é inventado, talvez um dia eu tenha mais perto essa presença dominante, talvez eu coma batatas. O certo é que meu Jasmim está florindo e com ele meu jardim. Na vida nem sempre se ganha, tampouco perde-se o tempo todo. Como disse um velho conhecido nosso, aos vencedores as batatas.

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Baltazar Gonçalves

Baltazar Gonçalves
Enviado por Baltazar Gonçalves em 13/09/2019
Código do texto: T6744153
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