As lembranças esquecidas
As lembranças esquecidas
====================ErdoBastos
Tinha um furinho, um buraquinho no tempo, por onde as lembranças dele se perdiam, escorriam.
Ficava parado por horas a fio, pensando, tentando lembrar do primeiro beijo, primeiro. E depois, do último, por último.
Lembrava das manhãs, esquecia as noites. Vice e versa.
Se lembrava o poema, esquecia um verso. Fazia mais e mais, cada vez mais versos.
Mudava, distorcia. Derretia e fundia de novo. Reciclava as letras, os versos...
Tentava reciclar na memória os momentos felizes, trazer de volta o riso fácil dos apaixonados, guardado, esquecido no quartinho dos fundos da memória.
E mais e mais o poeta escrevia. Rabiscava nas folhas mortas de cada setembro já vivido, de cada outono vencido. Libertava-se do tempo, escrevia e re-escrevia seus versos.
Nos versos do poeta, o pretérito era sempre perfeito.
Eu amei
Tu amaste
Nos amamos...
Se não tivesse partido, também o futuro seria?
Não conseguia lembrar se futuro perfeito existiria... Se fosse gerúndio, estaria sendo.
Também, tanto tempo depois, que futuro haveria se até as lembranças se foram?
E assim, o poeta tentava reciclar o futuro, com algumas sobras do passado.
Até que fosse, definitivamente, esquecido.