Família vende tudo
Tão bela mobília deve ser vendida.
Enfim, a família vai se mudar.
Desapegar das velhas tralhas
e das falhas todas gravadas,
por suposto, respingadas nas paredes.
- Ora pois sim, seu Joaquim,
a novidade sempre há de vir.
Deixa lá aquele baú arcaico
onde nunca se guardou a felicidade.
Deixa lá aquele livro de regras
de idade muito avançada e senil.
- Definitivamente não, dona Joana.
Não vamos levar a estátua do jardim.
As curvilíneas formas da Vênus de Milo
ao estilo do que foi um dia sua juventude
ficaria ali, indefesa, sem os braços,
ao sabor dos fracassos de caráter dos homens.
- Não valerá um estáter quando for violada.
Mulher despudorada essa aí, disse Yolanda.
A governanta negociava as peças de valor.
O amor à arte a fazia curadora dos bens.
Pela Última Ceia de da Vinci: 80 mil vinténs.
O quadro pagão de Mucha? Queime!
- Papai, podemos queimar os nossos desafetos?
Sim, Alfonso. Exceto os nossos iguais.
O menino então, investido de autoridade,
ateou fogo na comunidade mais próxima.
Não era afeito à pobreza, só a beleza almejava!
Em tempo: das cinzas, a glória renascerá.
- Decerto que Glórinha sempre foi um primor de filha,
mas tinha um defeito: a boca havia cicatrizado em seu rosto.
Ela tudo suportava, ela tudo esperava.
Dava para bater a face, a outra e a que não tinha.
Fazia sozinha todo o serviço da casa.
Estava feliz pela mudança, como sempre.
- Foi um grande sucesso o nosso saldão familiar!
Agora podemos ir, começar uma nova vida.
Um novo lugar aguardava por eles
para povoar-lhe com a perfeição de seus costumes.
Novos perfumes e ares pairavam na terra prometida,
mas a realidade da vida se impôs.
- Mas que lugar é esse? Merecemos mais que isso!
- Boa tarde. Planeta Terra em que podemos ajudar?
- Vendemos tudo para mudarmos para um lugar melhor.
- Sinto muito, senhor. Seu pacote familiar não atende
aos requisitos básicos de humanidade.
- Os valores humanos nunca foram os nossos!
- Mais alguma coisa em que possamos ajudar?
O planeta Terra agradece. Tenha uma ótima tarde.