Vagões

Aquele dia não era meu. Na verdade, não era de ninguém. Porque me sentia abstrata, sem formas, sem cor ou dor.

N'um instante seguinte o apito do trem fazia seu alarde trazendo pessoas com almas infinitamente bonitas ao mundo. Mas eu sentia os ventos, que me haviam sido soprados não sei quando, saírem pelas narinas. Agora era uma bolha de sabão buscando ar e caindo em águas turvas. Explodiria sem deixar vestígios?

Eram frios os dias, e quem poderia sobreviver aos loucos da arquibancada que gargalhavam? Zumbia a fome nos ouvidos das vidas que saltavam do trem procurando abrigo. N'um choro doído vi pouca água para matar a sede dos que acabara de nascer das profundezas do enorme ventre dos vagões.

Perguntei: - Senhor que soprou o vento que me habita e refresca, onde estás? Por acaso nos olha através do sol?

E em resposta Ele aliviou-me a dor dos dias, mostrando o grande trem subir às nuvens a caminho dos céus.

Corina Sátiro
Enviado por Corina Sátiro em 09/02/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6861911
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