Um sonho...

Sonho que minha alma é a alma de um poeta

Que morreu de atroz sofrimento

em uma outra encarnação,

Cuj’alma em pranto

subiu ao regaço dos anjos

Para uma audiência celestial.

Indagado pelo guardião dos umbrais

da vida eterna

Sobre motivo para morte tão repentina,

Assuntou, desconversou, pigarreou,

Declamou os versos de uma sua poesia:

“Vida, que triste vida,

Leva-me ó morte à tua jazida!”

E o anjo, que na verdade,

invejoso da estatura a que pode

chegar a humanidade,

Dissera a alma tão sofrida:

“Desdenhas de minha benignidade?

Pois que agora, mostrarte-ei

O que será maldade!

Reencarnar-te-ei numa figura

bem prosaica.

Tirar-te-ei a sapiência de normas

E a capacidade para as tagarelices vernais.

Tiro-te todo o teu glossário,

O índex de leituras que tua alma supliciante

Tanto leu, sugou, devorou nas outras vidas.

Sim, posto que fui eu quem o concedi.

Permiti. Queria que fosses alma mais linda...

Não essa...

Mesura desnecessária

Esse...

Declinar de cabeça.

Não soubestes aproveitar!

Achastes a vida ruim,

Enfadonha. Dela fizestes canções

Lúgubres.

Não foi pra isso que dei-te o dom

De cantar!

Vede o pássaro que cantava em teu jardim!

Não traz tristeza. Traz alegria.

Fui eu quem o coloquei ali!

Pois muito que bem!

Nada gostas da vida,

Tirar-te-ei a tua prosa, toda, toda;

Os vernáculos, verbetes que tu tinhas

Claríssimos em sua mente,

E deles fazias troça em poesias;

Essas tuas rimas...

Tão tristonhas.

Retiro-te tudo!

Tua alma será apenas um espectro

Do grande poeta que um dia fostes!”

Ao ver tão sádico cenário,

O estar da alma poeta, agora

Profundamente destruída,

Um anjo com alma feminina,

Aproximou-se e lhe disse

“Também posso interferir!

E o faço assim que o vejo mister,

Posto que sou complacente

Com as almas poetas

Que, da tristeza, fazem canção.

Fui eu quem o ditou!

Ajudava-te a esquecer

A maldade inerente ao ente

Humano sem dó, nem piedade

Com os sentimentos.

Fui-te a válvula de escape

Nos momentos de angústia

Eu segurei tua lavra

Para que não desanimasses.

Eu...

Fui teu juízo.

Te tomava

E te moldava a meu bel prazer.

Não sou uma reles canção.

Eu sou a expressão

Mais pura da poesia.

O mais belo canto é o pranto.

Ele todo é comoção.

Do que é feito o canto, se não do

Que se sente?

Sim, alma poeta,

Refrigero tua dor.

Te concedo pouco.

Mas, com ele, podes

Lutar por muito.

Permanecerás amante

Da dor, do sofrimento,

do amor,

das letras

E da sua expressão.

Dor maior agora sentes

Afastado dos teus instrumentos...

Concedo-te que faças dela, a dor,

Teu impulso a voltar a ser poeta.

Serás espectro, sim.

Uma ou duas gerações mais,

Mas buscarás recuperar

o que houver perdido.

Posto que não deixarei sair de ti

Na encarnação que ora terás

O amor à poesia.

Tu verás, não deixarás, jamais de amar

A dor, e essa dor expressarás

Com o pouco que fores conquistando,

Com a expressão mais pura,

Dada que saída de dentro da alma,

Da mais sublime poesia”.

Mas, isso é um sonho!

É só um sonho...