Falcão peregrino

O estrangeiro camuflado na névoa era o marinheiro viajante que desembarcaria no cais banhado em mansidão noturna. Uma voz onírica ecoou ao longe e despertou o poeta de devaneios que o acalentavam.

Poucos passos a sua frente, a estibordo, erguia-se o monumento memorial, a neblina que o envolvia, encobertou-o com o odor de carniça; fétido aroma exalado do cárcere de um passado remoto.

Em suas peregrinações, Pasárgada alguma o seduzia mais que o cheiro de sua própria terra, em seu berço o ar chamuscava inspirações viscerais nos proprietários de corações de tinta, e o luar descrevia salientes silhuetas de espíritos em corpos invisíveis. Seu semblante obscuro desanuviava em matizes enquanto contemplava a criança da noite em sua pátria de paixões, e assim permaneceu, petrificado em um sonho até surgirem os primeiros raios da alvorada.

A palidez da manhã seguinte embriagava-se no agudo chilrear mundano e dentro em pouco, os chistos tenores da abadia na qual unira-se em núpcias com sua Vênus em algum lugar no tempo, ecoou em seu ouvido, as vibrações sonoras perfuraram seu labirinto de Dédalo e afoitaram sinapses cerebrais.

O horizonte plano e amainado transparecia uma intrépida revoada, a brisa salgada do mar recordava o desolado peregrino do ferro das águas longínquas, do mar de hemoglobina dos tempos sólidos. Enquanto vagava pelos resplandecentes jardins, cenários vivazes na mente daqueles que cruelmente conhecem o gosto dos amores secretos projetavam-se retumbantes em seu fulgor. Poucos botões floresceram no solo, incontáveis germinado pelas férteis jardineiras, por conseguinte, as macieiras uterinas ainda davam frutos e ainda que de maneira escassa, boas sementes.

Poucas almas encorajavam-se a sentir a liberdade das ruas nas primeiras horas do dia, os becos cheiravam a chassinas bubônicas aos olfatos mais aguçados e nunca nenhum indivíduo soube com precisão identificar uma índole canibal, novos rostos eram típicos na região desgraçada.

De modo abrupto, um lepidóptero rangia as formosas asas e agulhava os pensamentos do poeta veloz, que se pôs a partir guiado pela sombria mariposa. Avistou após instantes no cume de uma colina, a cercania em ruínas de uma necrópole, pareceu-lhe um ambiente nostálgico, contrastado pela tranquilidade que a morte evoca sobre aqueles que um dia foram mais que fertilizante.

O peregrino planou instintivamente na negra lápide cujo epitáfio inscrevia-se de modo fúnebre e ilegível aos olhos de rapina. Não chegara a tempo de lacrimejar como fênix na liteira, a sete palmos já afundada, enterrava-se sua amada. Desfaleceu-se em penas ao túmulo adornado pelas pétalas do Heléboro, e adentrou os céus, tomou a direção do oriente e regressou à ilha de seu exílio.

Flora Fernweh
Enviado por Flora Fernweh em 20/02/2020
Reeditado em 31/10/2021
Código do texto: T6870640
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