Clausura de letras...

Não sei o que é uma cela de prisão. Nunca entrei numa penitenciária em funcionamento. Já visitei acamados, esquecidos, abandonados, solitários e órfãos de todas as idades. Nunca estive no lugar deles. Tive pais controladores que me deixavam passear e brincar, professores rigorosos que me deixavam pensar e criar. Tive uma vida confortavelmente assistida e vigiada debaixo do sol que nascia e se punha em ondas. A noite era clara de histórias assustadoramente interessantes e terrivelmente relaxantes... Os meus dias corriam ladeira abaixo.

Nessas escorregadelas, dei por mim andando na estrada firme. Asfalto. Trânsito não mais de ideias. Eram congestionamentos de responsabilidades. As buzinas tocavam pedindo passagem e os veículos iam uns sobre os outros numa avalanche do salve-se quem puder. A vida ia ficando adulta. Acho que adúltera. Infiel. Bruta. Vulgar... Experimentei a castidade experiente e a pureza maliciosa entre as amantes de antes e depois. Parávamos num sinal (ainda bem que sou do Grande Rio. Ficou mais fácil para mim. Transparente como a clara de ovo, pois não sou da gema. Esse é o sinal de quem vive no entorno, de quem escorre e percorre nos meandros construídos de desvios quase invisíveis de quem é fluido). Chega-se a qualquer lugar. Resistente e maleável.

Vou pela ponte. Agora tenho faróis. Posso navegar seguro no mar de concreto. Me oriento na Liberdade. Verdade? Não conheço a Liberdade. Nem a Bela Vista. Tenho Boa Vista apesar dos óculos. E fui à Sé com fé que iria atravessar a porta. Não entrei na nave. Um dia cruzarei o Portal e estarei em ruas de ouro. Presunção? Não sei. Prometeram-me. Eu aceitei.

Ando muito tropeçando em pedras, devagar porque tenho pressa de levar meu sorriso e meu choro a todo canto, mas grito em silêncio insuportável. No caminho existem pássaros e eu passo num quintal de um quarto de Porto Alegre e leve como passarinho enquanto os abutres passarão. Estarei longe, em caminhos Gerais do cheiro bom da terra de Minas de prazeres simples e valiosos. Pode vir chuva. Ponho uma panela na cabeça e saio Maluquinho até a Chapada. Meus olhos vermelhos brilham como diamantes de sangue e lágrimas. Passo pela Feira. Compro tambores. Não sei tocar com as mãos. Meu coração vibra e meus dedos tentam tocar as cordas. Escorrego. Giro as pernas no ar. Pulo e caio em pé. Agora a corda é uma só. A cabaça na barriga e a moeda marcando. Gingando se vai num cortejo por pontes inúmeras em Felicidade Clandestina. Ó! Linda Clarice onde você está? Sinto sua falta.

Deus não me deixou ver São Francisco. Não tinha cara. Era carranca. Tentei me esconder no Canindé. Dormi e me viram antes de passar pelas paredes de pedra. Continuei meu caminho sabendo que amar é quase uma dor só. Uma Barra. Só mesmo São Miguel para pisar o mal e me fazer seguir em frente. Aprendi a caminhar, não por aí com guaimuns e nem catando pelo chão tudo que cheira a comida. Os meus pés pisaram a lama e a areia. Queria ter ido até a Pedra do Reino. Não cheguei lá. Taperoá só meu pai e meu tio também. Se você for uma mulher não precisa ficar Compadecida. Um dia tudo acabará bem numa Câmara cheia de coisas da terra Natal. A vida é assim. Nos deixa Cascudo, Casmurro, mas seguimos entre lençóis na sombra das palmeiras onde canta o sabiá e a jandaia e a cotovia e o uirapuru e o rouxinol e a Asa Branca, a patativa, tordo, pardal, chapim...

Vou registrar tudo em azulejos nas paredes da minha prisão domiciliar. A casa vai ficar bonita com cheiro de mares nunca dantes navegados. Irei ao Japão e à Terra Santa e ao Egito. Comerei guacamole no México com chapéu de Panamá me protegendo do esplendor do sol inca. Navegarei numa jangada de pedra até ao Cabo Verde com Boa Esperança de chegar a Maputo. Victoria seria ir do Congo à Luanda, subir a Serra, chegar ao Senegal. Daí eu estaria para lá de Marrakesh. Me estreitando vou pra Espanha. Volto ao Porto como Ulisses volta para sua Penélope. Ela não precisou terminar a mortalha do seu sogro. Houve melhor negócio e não foi da China.

Oswaldo Eurico Rodrigues
Enviado por Oswaldo Eurico Rodrigues em 19/03/2020
Reeditado em 01/04/2020
Código do texto: T6891959
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