Quatro elementos prisionais
O Sempre nos acostumou a nos acostumarmos com o fluxo de vida. Fluxo talvez seja uma forma delicada de dizer. Na realidade, eu deveria escrever enxurrada de sobrevida. A todos os instantes, são cobranças de todos os lados e de dentro pra fora também. As demandas vêm aos borbotões e estouram no primeiro obstáculo que encontram. A resistência ousada de quem prefere as águas claras, limpas e mansas finca pé e faz a ressaca recuar, mas não sem quebrar as pernas ou arrancar as roupas de quem resiste.
Vamos ao hospital. Curamo-nos. Vestimo-nos novamente. Velamos nossa intimidade.
As ondas podres de rejeitos e poluição retornam. Dessa vez, não encontram resistência e arrebentam violentamente. Deixam lixo por toda parte. Catamos tudo. Deixamos a praia limpa.
Uma tempestade é anunciada. Cântaros gigantescos de chuva ácida corroem tudo por onde caem. Abrigamo-nos no subsolo. Os gases se dispersaram e o tempo está firme. Subimos e recuperamos a cidade carcomida.
Acabaram-se as águas. As formas diluvianas já se mostraram. Seria a vez do fogo? Ainda não.
Agora chegou a vez dos ventos. Coisa difícil é vento. Não dá pra segurar. Não dá para enxergar. Pior: só se sente. Para ser visto precisa levantar, no mínimo, poeira. Estamos em época de ventos letais. Ventos que nos empurram para o abrigo de nossas casas. Arremetem-se contra nossas paredes e tentam entrar por qualquer fresta. Lambem a tudo e a todos e os empurram na nossa direção cheios de contaminação. São parentes e amigos contaminados. Estamos ou somos contaminados. Pelo menos pelo vírus da tensão sim.
Está difícil ficar em casa preso. Com um inimigo invisível e desconhecido a espreita. Está difícil não interagir. Até agir está complicado.
Não vejo a hora de sair da masmorra e andar por aí. Teremos de aproveitar enquanto não vem o fogo consumidor e finalmente a terra a nos abraçar.