O Céu e a Cortina

O quarto estava escuro, com um fraco feixe de luz lunar que entrava pela janela aberta, ferindo o breu instalado no úmido cômodo, iluminando o chão de piso branco barato e uma parede bege envelhecida. O ventilador ligado em sua maior potência pouco ruído fazia frente ao estardalhaço criado pela forte ventania do lado de fora da janela. O quarto não possuía som, todo o som pertencia a tempestade que reclamava seu direito sobre os ventos.

À esquerda, a simples janela de alumínio dava uma visão escura sobre a cadeia de morros habitados por casas, aqui e ali uma luz de uma varanda vazia, engolidas na proclamação e na vastidão da noite, mas o principal evento não estava lá fora, ele vinha de fora para dentro e aqui no quarto, ele acontecia.

Atrás da janela, do teto até os últimos seis centímetros do chão, a suave cortina de renda branca resistia, imóvel, elegante e destemida, ela se erguia frente a gritaria dos ventos, observava como se vê uma pirraça de uma criança mal educada, e comparada a ela, era a isso que se resumia toda aquela encenação da força do soturno céu.

Com ciúmes e sentindo-se diminuída, a ventania irrompeu pela janela, tomando a suave cortina pelos braços e jogando-a pelos quatro cantos do quarto em arcos vertiginosos e ríspidos, porém, ainda impassível, ela se segurava no trilho sem aparente esforço, sem ter tocado o chão ou alguma das paredes nenhuma vez, ela volta a sua posição original ainda imaculada.

O céu ultrajado com a insubordinação, tentou novamente, voltou mais furioso e violento, e assim fez seguidas vezes, mas a leve cortina não demonstrava resistência, e com toda sua elegância e suavidade, se colocava de volta atrás da janela, com movimentos graciosos, sem tocar nenhum canto do quarto.

O tempo passava, o céu poderoso e revoltoso, já não demonstrava tamanha rebeldia, a ventania diminuiu, foram trocadas primeiro por brisas fortes, depois nem isso. Sem sucesso, o céu enviou seu último campeão para o duelo final. Uma fraca brisa perpassou pela janela, jovem e gentil, parecia pedir permissão ao entrar e suavemente pegou a mão da leve cortina.

Enquanto o som lá fora diminuía drasticamente, a brisa começou a conduzir a cortina pelo quarto, não era apenas um simples movimento de empurrão para aqui ou acolá, era suave. Assim, a cortina foi lentamente se enroscando na brisa e ali eles bailavam uma lenta e suave valsa, cada vez mais lenta e ritmada, a dança transformava o casal, se antes eram brisa e cortina, agora eram uma só coisa, transfigurados, inseparáveis, vitais um ao outro. E toda vez que a leve cortina passava pelo fraco feixe de luz prateada, ela se iluminava, como se vestisse um vestido de diamantes que reluzia ao pequeno pedaço de lua presente.

Tocada pela lua que crescia agora a cada instante, a cortina nasceu, debutou e envelheceu bailando com o seu amor na eternidade de minutos, ali ela foi plebeia, princesa, rainha, filha, mulher, esposa e mãe.

Mas o tempo corria, as nuvens passaram, o céu se abriu como que saindo de cena, pois seu protagonismo havia sido roubado, e agora limpo, dava lugar para a lua cheia que ia aparecendo para contemplar aquele pequeno e delicado acontecimento que tomava toda a sua atenção, completando e prateando a noite daquele jovem casal. Porém, com a chegada da lua, a brisa precisava ir, seu mestre a chamava, e ela cada vez mais fraca se despedia da cortina. Até que saiu, a cortina agora sozinha, era banhada completamente pelo pratear da lua, jazia parada em frente a janela, fria, sem lembranças, abandonada na quietude da noite, ela voltara a ser só uma leve cortina de renda branca, sem par, sem motivo, sem vida. Apenas uma cortina morta.