QUANDO O CÉU VOLTOU AZUL

Há tempos que todas as cortinas se abriam por dentre a transparência dos voais para, sem contraste, se confundirem com o pó das névoas químicas.

Tudo parecia desbotado.

Os sóis do horizonte subiam a pulso, com força sobrenatural, na resiliência das horas abafadas, a fazer força bruta para vencer as manhãs de concreto riscadas de cinza chumbo.

Os passaredos afugentados pelas chaminés do Homem, por vezes, arriscavam seu voo raso e cambaleante, já sem perspectiva de pouso em solo seguro.

Quando bem cedinho as flores acordavam ouvia-se seu cochichado ansioso, fruto da sua sensibilidade metafísica, como se sentissem que algo se aproximava da terra castigada.

Ninguém saberia contar...apenas sentir.

As margaridinhas, tão pequeninas e sábias, sempre as mais humildes na sua grandiosa beleza, aguardavam pelas borboletas atrasadas, descompassadas de luminosidade clara.

As onze-horas, nunca notadas, perderam seu relógios biológicos e se fecharam em conchas de pétalas escarificadas de cansaço.

Os bem-te-vis calaram-se porque já não havia mais nada digno de se ver.

As rosas, eu sei, ensaiavam cores novas, na esperança agigantada de explodirem raros sobretons às aquarelas dos tempos.

Toda a mata, nessa época, tão acostumada com as algazarras das cigarras indolentes, percebia que o silêncio tomara conta do tudo só audível nos uivos dos ventos silentes.

A brisa passava fria a colocar fauna e flora a parte da fria vida do Homem.

Lá fora, a chuva descia ácida, a fervilhar toda a existência, indiferente aos portões da Terra , sempre nos limites da vida concedida e da morte arquitetada.

Ao todo, o toque de se recolher soou de lá de cima do desconhecido e então, todos souberam esperar pela vida dentro dos tão improváveis ninhos.

De repente, numa aurora silente que veio como tantas outras, o céu voltou azul.

Foi quando um passaredo de alegres andorinhas barulhentas ziguezaguearam no horizonte, como a saudar o retorno da vida só momentaneamente ida, a trazer de volta a todas as janelas semi-abertas do mundo um amanhecer despoluído das inconscientes mãos da Humanidade.

E o milagre foi consumado.