Princesa entediada

A princesa suspirava assentada em seu imenso jardim, solitária como são todas as moças sonhadoras e cujas almas habitam em esferas desconhecidas.

Suas mãos caíam displicentemente sobre o vestido florido do baile da noite anterior, onde bebera tanto vinho, que teve de ir carregada aos seus aposentos.

Princesas nõ comiam, eram sempre magras, tinham a pele invariavelmente branca, e as bochechas sempre rosadas. Os lábios eram como frutas maduras, disponíveis apenas para beijos de um príncipe encantado. Algo em falta, mesmo para princesas encantadas.

A princesa detestava ser como todas as princesas encantadas, com pele como a neve, anoréxica como as gazelas e sonhadora como um bêbado.

Por estar assim tão fadigada dos afazeres de princesa encantada, é que dispensou os galanteios do príncipe encantado. Um galanteio tão burocrático que a acometeu de profundo sono, alí mesmo no jardim. Se bem que ela não soube se o sono se devia às besteiras do príncipe ou à ressaca da noite anterior.

Logo mais à noite, quando acordou, completamente descabelada, e ouvindo os gritos da rainha à sua procura, percebeu que algo havia mudado.

Ao que parece, a fada madrinha, a figura mais entediada de toda a história, resolveu atender aos queixumes da princesa encantada. Que naquele momento, não justificava tano o seu nome.

A princesa encontrou um bilhete ao seu lado, da fada, que dizia: "Obrigado por estar fazendo um pedido ao serviço de atendimento à princesas desocupadas. Seu pedido foi atendido, sem direito de retorno. Para qualquer dúvida, você pode estar se dirigindo ao espelho mais próximo e ligando. Ps.: seu nome não é mais princesa encantada. De agora em diante, você vai estar se chamando: Gislaine".

A ex-princesa não podia acreditar. Finalmente virou uma pessoa normal. Tinha 30 anos, tinha rugas, os cabelos tinham pontas duplas, tinha estrias e celulite e sentia fome.

A ex-princesa Gislaine não coube em si de tamanha felicidade. Agora sim, poderia dar um pé no traseiro do mala do príncipe, ir para a taberna encher a cara, e dormir com o primeiro desconhecido que passasse em sua frente.

Ela saiu corrando do jardim em direção ao vilarejo. Cantou, dançou, riu a noite toda, sem se preocupar com nada.

Muito tempo depois, a princesa se casou com um ferreiro bruto e mesmo com o dinheiro minguado e os 8 filhos, ainda era feliz. Mesmo que com cabelos desgrenhados e cansaço infindável.

Para ser princesa, é precido muita paciência.

EDUARDO PAIXÃO
Enviado por EDUARDO PAIXÃO em 11/10/2007
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