ASSADOS VIVOS NO FORNO À LENHA...(SÓ QUI NÃO)

(Matuto contando istória da bíblia)

Ômi seus mininos, essa istória qui vou

Contá num aconteceu pur aqui não,

Foi lá pras banda de um lugá chamado

De babilônha... Era uma cidadezinha

Do tamanho assim da nossa amazônha.

Tinha um rei muito maluco, olha o

Nome do danado do ômi: Nabucodunosor...

Pensa num nome estranho, eita peste!

Pior qui o nome dele, era só o do avô!!

Ele era o maioral, pra ele tudo era ganho!

Foi levado na conversa pelos seus oficiáis,

Que fizesse uma grande estátua dele mermo

Do mermo tamanho daquela estátua

do padim padi ciço lá do Juazeiro,

bem ali, no mei de um grande terrêro...

Mas rapaiz, o negóço era gigantesco,

lá se foi vinte e sete metro de altura

e mais, por dois metro de largura,

mas num era de barro, cimento e pedra não,

era todinha de ouro maciço, mermão...

Aí, por bem, ele tinha qui inaugurá,

marcô o dia da festa e ninguém pudia faltá!

Avisô em todo o reino, o bichim qui num

Fosse pra inauguração, tava era lascado

E num adiantava chorá e nem pidí perdão...

Óia, foi uma fofoca medonha, todo mundo

Comentando, eu vô é já mi prepará

Qui eu num sô besta, nessa não vou faltá!

Do jeito qui esse rei é doido di pedra...

Ele pode é todo mundo mandá matá!

Mermão, foi um corre corre, de ômi, muié

E minino, os véi ali gemendo, qui era

Di fazer dó! Tivero que ir também, o quê?!

Ninguém foi da festança dispensado não,

E mais, organizado, sem fazer confusão!

O tempo passô ligero, logo chegô o dia,

Todo mundo foi chegando, se ajeitando

Num lugazim, sol quente de lascá...

Vai vendo a situação, tinha marmanjo

Chorando só pra modi chamá atenção...

Um cabra todo ingravatado, gritô de lá,

Cabôcos e cabôcas, preste atenção

No qui eu vou dizê agora, visse,

Qui eu num vô repetir nenhuma vêiz mais,

Quando a música tocá, vóis se ajoelhais!

Rapaz, era o secretáro do rei, cabra

Falante qui só! Dava as ordi qui o rei

Mandava e ficava ali, parado... Só espiando,

qui era pra vê quem num cumpria e ir fofocar

pro monarca, qui o castigo já ia assinando!

E todo mundo calado, em pé, só assuntando...

O cabra qui num si ajoelhá pra estátua do rei,

Ele disse: Vai sê jogado num forno de barro alí ó...

Todo mundo olhô e viu a lenha se queimando,

O medo foi tão grande qui tinha bichim dismaiando!

Mas rapaz, tinha no mêi do povo, três, óia, três

Dos cabra mais valente qui eu já ouví falá,

Qui foram logo dizendo, pode tocá a música

Qui fô, nóis num vai é nunca mermo se ajoelhá,

E se esse rei achá ruim, qui ele vá se lascá!

Minino do céu, as pessoa qui ouviro isso,

Qui tavam ali por perto deles tremero na base,

Pensaro logo, vixe, hoje o bicho vai pegá...

Purquê uns fofoqueiro di plantão, ah... Correro,

Já foram pro rei, e adivinha?! Pra modi contá!!

Lascaram o pau de lá rapaz, a música começô...

To mundo foi si ajoelhando, mas os três...

Ômi, os cabra era di palavra... Dissero mermo

Qui num iam si ajoelhá e nenhum si ajoelhô!

Ah, minino, a poliça do rei vei di lá e os três já levô!

O Nabucodunosor, enfurecido qui táva, interrogô:

Iscuta aqui seus miservis, num ouviro a música não?

Quero o nome dos três, pra já anotá na lista nêgra!

Rei, eu sou o Sadraqui – disse o rapaz sem medo...

E eu sou o Mesaqui e esse aqui é o Abede-Nêgo!

Vocêis são inteligente, tô vendo e vou dá ôtra chance,

Vai tocá a música di novo – Secretáro – fali pro povo...

E aí, preste atenção, vocêis vão si ajoelhá pra estátua,

Sinão pego vocêis, amarro cum cipó e jogo no forno quente...

Os três ficaro ali parado, só oiando na cara do rei!

Óia aqui Rei, sem ofensa, mas pode a música tocá

Qui nóis num vamo se ajoelhá nunca pra estátua

Nenhuma, nem sua, nem di quem qué qui seja...

Nós só si ajoelha pru Deus lá do céu, onde esteja,

Qui Ele é qui é o rei du universu qui nós vai adorá!

Mas rapaz, esse rei ficou com tanta raiva qui a cara

Ficou parecendo um lobisome em noite de lua cheia,

Misturado cum saci, ficou mermo feito um satanás...

Pulô prum lado, pulô pra ôtro, gritô, esperniô... Óia

Dissi tanta coisa pros rapaz, o povo ficô cum pé atraz...

Daí o Mesaque disse de lá: E tem mais, esse seu fornim

À lenha, qui você qué aquecê sete vez mais, pra modi

Nos jogá lá dênto, pode jogá, nóis num simporta não,

Purquê o Deus lá do céu, si quisé, vai nos livrá,

Du forno e de você, qui mais tá parecendo um dragão!

Ômi seu minino, vêi de lá um guarda do rei arrepiado qui só,

Deu um tabefe nesse Mesaque, qui ele rodopiô dez vêis,

Caiu em cima do Sadraque e Abede-Nêgo só de lá espiô...

E vocêis pensa qui eles tivero medo, tivero não, ali amarradin

Cum cipó tavam, amarradin ficaro... Ali, parados, só isperandu!

Moço, esse rei sem mais pensá, mandô os três amarrá,

E foi cipó pra cá, cipó pra lá... Cum rôpa e tudo, inté chapéu!

E eles, amarradin ali, num dissero nada, ficaro ali, meditandu...

Viero uns soldado grandão, do tipo assim Arnô Saginegui,

E foram levando cum uma mão só, eles olhando pro céu!

E o rei todo papudo, dizendo em alta voz: Quero só vê

Quem vai livrá vocêis do meu forno à lenha, quente qui tá!!

E o pessoá pensando: Eita, esses bichim são mermo doido,

Como é qui eles vão esse rei poderoso assim desafiá?!

Agora tão lascado, cum a quintura desse forno, vão é assá...

O Nabucodunosor ficou só espiando, mei temeroso talvez,

Nunca tinha visto tanta corage e confiança mermo vêzes três...

E si os rapaz tivesse razão?... O rei ia ficá era dismoralizado!

Mas num pudia voltá atraz, ele já tinha cumeçado, ia inté o fim!

Quiria mermo de raiva juntá as cinza deles, tim tim por tintim...

Mermão, quando o soldadão fortão jogô o Sadraque, pá, morrêu!

Ali mermo no pé do forno, cum um calô disgraçado de grande...

O ôtro foi jogá o Mesaque, a merma coisa aconteceu, pá, morrêu!

O terceiro soldado ficou ressabiado, num sei se vô, ele pensô...

O rei tava ali, parado, oiando! Jogô o Abede-Nego e pá,morrêu!

Rapaz, esse rei tomô um susto, dos soldado ter morrido e ficô

Foi mais assombrado, quando olhô pra dentro do forno à lenha...

Era um forno pequeno, mal cabia um cabra, ele mandô jogá

Foi logo trêis... Mas quando reparô, tinha era quatro! Ê lasquera!

Chamô o secretaro e disse tô doido, tô doido, venha aqui, venha!

E eu num mandei jogá os ômi amarrado cum rôpa chapéu e tudo?!

Mas tô é vendo eles passeá tudo desamarrado e conversando...

Rapaz, por um bom tempo o rei ficou ali boquiaberto e mudo!

E aí, tremendo, chamô os ômi: Sadraque, Mesaque e Abede-Nego,

Venham aqui e me diga quem é esse que cum vocêis tá andando?

Minino, o rei ficou arrepiado dos pé a cabeça, o ôtro ômi era Deus!

O monarca foi cheirá os rapaz, e num tinha nem cheiro de queimado!

Nabucodunosor ficô foi besta, sorria, sorria, sorria... Impressionado.

Óia, vocêis dissero qui o Deus do universo pudia salvá vocêis e num é

Qui salvô mermo! Então, esse Deus vai sê meu também, não só seus.

Depois o rei fez um decreto, que mandou pra todo mundo obedecê,

o Deus de Sadraque, Mesaque e Abede-Nego, seria o Deus verdaderô,

E daquele dia em diante, pelo testemunho dos cabra, todos devia adorá!

não havia nu universu otrô Deus qui salvasse e fizesse milagre assim!

E òia, já faz milhares de ano, mas é inté ôje uma lição pra todos nóis!

Os cabra foram obediente ao único Deus verdaderô qui tá lá no céu,

Num tivero medo do forno à lenha e da cara fêia do tirano monarca!

E nem sabiam qui Jesus ia lá prá ficá cum eles, e passeá no forno!

E foi o qui acunteceu! E o rei disse: O quarto ômi tem jeito de um Deus!

Isso nu mêi da mutidão! É o qui devemo fazê, sê fiel aos mandos Seus.

Poeta Camilo Martins

Aqui, Hoje, 13.10.2016

21h56min [Noite]

Estilo: Prosa caipira livre (Poesia de Matuto)