Estou sempre dando fora

No expresso em que embarcamos

Esqueci de ver o destino.

Você foi acreditando que levava àlgum lugar.

Eu fiquei me acostumando

Na cadeira confortável,

Tão macia.

E, eis que eu era

O passageiro vip

Da viagem que não nos levava

Onde você queria estar.

Você, também se acostumando

E acreditando no destino,

Traçou o rumo, compôs a rota,

Orientou o condutor.

E o condutor éramos nós.

Os dois.

Mas, você que orientava.

E olha só, como é que eu sou,

Fiquei sempre dando fora.

Fui eu que sempre dei fora.

Só dei fora, você não percebia,

Enquanto segurava a condução

Com rédeas curtas nas mãos,

E eu sempre dando fora.

Fui eu que sempre dei fora.

E agora,

Como sempre, sou eu quem dou fora.

Tua voz doce,

Teu choro fácil,

Nossas noites,

Aquele caldo gostoso

Daquele lugar.

Lembra?

Teu sorriso raro,

Minha mimice,

As loucuras,

Nosso aconchego,

Minha construção,

A tua aposta,

Meu embrutecimento,

Nossa salinha e

Nossos filmes,

As preguicinhas

Em frente à tv

E eu sempre...

dando fora.

Sua roupa de dormir

Ainda está lá

na minha casa.

Sinto teu cheiro

quando a toco.

Como eu o sinto

em meu colchão.

E é você,

como sempre,

indicando a direção.

E eu sempre...

dando fora.

E lá estão fios de cabelo

Sempre que abro alguma gaveta.

São enormes. Não são meus,

Com certeza.

É você, indicando a direção.

Minha comida de domingo

Tinha sido a tua macarronada

Ultimamente, tenho preferido

Provar algo mais doce,

Talvez, garapa de cana,

Misturada com sorvete,

Que derramo no asfalto

Sempre que eu corro

à felicidade.

É sorvete que gruda na mão.

E não sai se eu não lavar.

Mas, eu não quero lavar.

Já lavei tanto...

Quero derramar

o sorvete no asfalto

Correndo à felicidade.

Quero sorriso na foto,

Meu sorriso sem razão.

Sou eu sempre que dou fora.

Eu vivo dando fora.

Estrago tudo.

Não percebo.

A maquiagem que você fez

àquele dia

Estava tão linda...

E eu sempre dando fora.

Você não passa a noite em claro.

E eu achava isso bom.

Mas, acho bom passar a noite em claro.

Sinto sede quando a noite

passo em claro.

É sede de algo

Mais do que água.

Eu só passo a noite em claro

Quando estou com sede.

E a noite me dá mais sede.

Mas, você não passa a noite em claro.

E eu achava isso bom.

Escuto a letra

Do Gonzaguinha e choro

De saudade.

É algo em mim que eu desconheço.

E eu estou sempre dando fora.

E você vive indicando a direção.

Você tem que entender

Que eu não sei porque

eu choro

quando escuto aquela letra.

Se eu soubesse,

ficaríamos tranqüilos.

Saberíamos a direção.

Mas, você vive indicando a direção.

E eu estou sempre dando fora.