Confinamento

Então é o começo

Ou talvez um recomeço, uma oportunidade, eu sei lá

Lá fora tudo se tornou inoportunamente tóxico

Os abraços, os beijos, o calor das amizades reunidas

E agora afastadas por motivos ironicamente lógicos

Quando foi que nos tornamos inimigos de nós mesmos?

Acho que na verdade sempre fomos

A diferença é que agora algo microscópico supostamente vindo do oriente

Nos obrigou a enxergar a verdade

E aqui dentro, escondido da cidade

A esperança é uma frágil segurança solitária

Uma prova de vida morta,

Mas não seria a morte, uma prova de vida?

Ou apenas mais uma prova da vida?

Passaremos vivos por ela?

Chegaremos juntos ao fim?

Hoje contei os ladrilhos do banheiro, desarrumei a sala e arrumei de novo

Olhando no espelho percebo que tenho uma orelha maior que a outra

Ando de meias pela casa fazendo um Moonwalk desengonçado

(O Michael fazia parecer tão fácil!)

Inventei um novo inglês, baguncei o português e acreditei que cantava em javanês.

Meu velho toca fitas nunca foi tão necessário

É ultrapassado sim, mas também é “Vintage”, isso é moderno.

Estou cansado, me sento na cadeira em frente a janela e olhando para fora lamento

As ruas vazias, o antes impossível silêncio da cidade me faz sentir o medo

Esse medo de nunca mais voltar a ser o “anormal”, em meio a uma multidão de “normais”

O que nos aguarda amanhã? Estaremos aqui amanhã?

Sobre o mundo não sei, mas eu, vou tentar escrever um livro.