Memórias de Uma Viagem Que Não Aconteceu

Tudo estava tão arrumado que eu já me sentia lá. O vento fresco, a areia nos meus pés, o calor do sol, a secura daquelas montanhas, a chuva fina, a neve branca e gélida, o diferente tão familiar. Tudo estava pronto, só faltava ir. Tomei cuidado extra para não abarrotar as malas, pois poderia parecer pretensão minha. Só levaria o necessário.

Mas que danado esse destino. Ele já aprontou muitas traquinagens comigo no passado, mas esta foi séria. Moleque inconseqüente. Se eu conhecesse sua mãe, faria questão que lhe fizesse enche-lo de palmadas, à maneira antiga, ainda. Graças a ele, o avião não veio, o ônibus atrasou, o transatlântico afundou, o carro quebrou, o chinelo arrebentou, as pernas adormeceram e fiquei de joelhos, sem ação. Não aconteceu o que eu previra. Não ia sentir o vento fresco, a areia, o calor do sol, a secura, a chuva, a neve, o diferente. Puxaram-me o tapete, estava jogado num cenário que não imaginara. Talvez não pensei nessa possibilidade por pura pretensão, aquela mesma que não me deixou abarrotar as malas.

Eu sentia que já estava lá. E estava tão bom. Só faltava ir. E não fui. Estava, então, preso no não-lugar. E logo me tornei um não-alguém. O que mais faltava acontecer? Antes fosse uma viagem de verdade. Agora eu só quero esquecer.

Ricardo Prado
Enviado por Ricardo Prado em 14/10/2007
Código do texto: T694053
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