Onde quer que estejam

Fomos criados, educados e moldados pelos dias descompromissados em que nos fixamos a sermos arqueólogos de nossos interiores inexplorados. Das partes insólitas da pequena cidade pacata até os confins de uma nova vida anunciada em placas na estrada. Em algum lugar a história se repete com diferentes e faces e nomes, mas possui os mesmos anos radiados em laranja, vermelho e amarelo.

De origens distintas e vizinhanças distantes, laços irrepreensíveis que não conhecem a magnitude de estarem a milhões de anos-luz, em constelações inalcançáveis e demasiadas longes para serem naturalmente velejadas pelo empurro de uma gentil gravidade. Atiçando-nos a anexar às paredes os registros de verões compartilhados pelo calor evocando suor em nossas peles, encontrando alívio nas ondas de um mar salgado refletindo as matizes do crepúsculo em sua queda.

Férias do que conhecíamos e nos perseguiam, meses de transpostas mudanças e um amadurecimento desprovido de podridão. Uma base secreta num ônibus abandonado perto do caís e uma polaroid para capturar e guardar o momento para que nunca se vá. Sempre um entardecer imperceptível pelas semanas em que nos desperdiçávamos juntos e pelas décadas em que nada mais restou para se queimar na fogueira para clarear o anoitecer.

Pois quando chegarmos ao fim e não houver nada mais para dizer ou escrever, saberemos como um instinto a verdade enevoada por linhas crípticas de nossos traços pelo passado: Fomos os ápices de nós mesmos, éramos o ponto mais alto que jamais alcançamos, somos rodas em movimento, afastando-se do que não somos mais e do que não seremos.

Transitando de volta à mente, o rebobinar involuntário nos mostra os retratos e nos aleja de esquecer que clamamos o mundo para nós, criamos um infinito em expansão e o adornamos com nossas cintilâncias e forças centrífugas no universo de nosso domínio. E ainda brilhamos, ainda vemos as crianças num vislumbre embaçado e incoerente, tecemos um prefácio como uma perfeita fantasia impalpável. Ainda sentindo lá no fundo que aquelas velhas almas estão onde devem estar, onde quer que estejam.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 12/05/2020
Código do texto: T6944813
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