Com as teclas nas mãos

Certa vez, uma professora falou, em sala de aula, sobre sua cozinheira. Disse que ela corria pra sala toda vez que passava, na TV, uma propaganda de pontos turísticos do Ceará. Olhando as cenas, ela repetia por várias vezes, a frase: "Ah, meu Ceará... ah, meu Ceará..." Certamente, ela nunca desfrutou de nenhum espaço daqueles que ela dizia ser seu. E foi justamente esse ponto que inspirou a mestra na aula daquele dia.

Isso foi há tanto tempo, em 1980, mas eu nunca mais me esqueci dessa imagem linda, emocionante e triste. É o retrato de quase todos nós, parte da grande maioria que habita esse país de natureza tão exuberante e de tanta pluralidade em todos os aspectos. Mas me parece um recôndito, repleto de hidras. Singramos com dificuldade e medo por águas suspeitas, por correntezas que podem nos lançar contra rochedos que estão em toda parte, sem fim. Passamos a vida nos arrastando, sussurrando frases, derramando desejos pelos cantos da boca, com os olhos quase despencando do rosto, tentando alcançar picos e focos desejáveis afetivos, mas sem poder desfrutar daquilo que nos pertence.

Não é fácil viver sob o peso de patas grosseiras que massacram nossos sonhos e esmagam nossos projetos. É como viver sequestrada, condenada a uma solitária, só olhando o movimento de coisas devoráveis e boas. Eu nasci nessa terra, um lugar que eu nem conheço, dominado por forças econômicas que funcionam como barreiras que comprometem minha mobilidade. Mas eu tenho o uni-verso. Minha sorte é escrever. Com as teclas diante das mãos, eu vou percebendo minhas asas se armando.