REFLEXÃO PONDERADA

São 5 da tarde. Tempo de confidências. Gostava de ter aqui alguém, com quem partilhar os meus desabafos, mas não tenho, tenho mesmo de fazê-lo comigo. Pensando bem, quem melhor para ouvir as minhas confidências senão eu? Comigo não preciso usar filtro. Sou aquilo que sou. Na verdade também não uso filtro com os outros. Eu sou mesmo assim, frontal e direta e se me pisam os calos eu defendo aquilo em que acredito com unhas e dentes. Defendo a justiça acerrimamente e costumo dar oportunidades às pessoas de fazerem a coisa certa. Se continuam a marcar passo, aí eu sou forçada pela minha natureza, a intervir e geram-se conflitos. Não gosto e também não procuro conflitos, mas se for por um bem maior, pois que seja. O que me importa é ser capaz de aliviar as dores daqueles que amo e evitar que sintam solidão, abandono e mesmo negligência. O que é importante para mim é saber ser solidária, justa, afetuosa, presente e facultar uma vida melhor a quem por vias da doença e ou da idade estão mais vulneráveis e fragilizados.

Se eu estiver errada, porque todos nós erramos, eu assumo e procuro seguir o caminho oposto e não deixo de me dar um puxão de orelhas mas também me dou abraços quando os mereço, porque também todos nós sabemos fazer coisas boas.

Tudo acontece no tempo certo. Mais dia menos dia, mais ano menos ano as mudanças acontecem sejam elas de que natureza forem. A vida é feita de mudança. Ainda bem que assim é. Não há energia na água estagnada, embora mesmo assim possa haver vida, mas não é essa vida que nós ambicionamos pois não? Como diz o povo, águas paradas não movem moinhos e água parada apodrece, aí crescem larvas e protozoários, constituindo um verdadeiro perigo para a saúde e meio ambiente. A vida é um fluxo, precisa de circular, renovar, mudar, pois se o fluxo não fluir por ter sido obstruído, as coisas não funcionam e graves desastres ocorrem quer seja a nível ambiental ou da saúde física e mental.

É assim nos rios, na asma, no sangue, na urina, nas nossas casas, etc.

Temos que nos render á sabedoria da água, ela não luta com os obstáculos, contorna-os e o fluxo não é interrompido. Nos ataques de asma, quando o fluxo de ar é interrompido, a vida fica comprometida. Se um coágulo interromper a circulação sanguínea dá-se um AVC. Quando há estenose da uretra, o fluxo urinário é interrompido, a micção torna-se muito difícil e dolorosa, causando várias doenças. A tralha que amontoamos nos armários e nas gavetas, o exagero de móveis e bric-a-brac por toda a casa, dificultando a livre circulação, quase sem nos darmos conta, vamos ficando enredados numa enorme confusão mental e as consequências desse estado são bem previsíveis.

A verdade é que uma mudança na minha vida, sempre me causa apreenção e um certo medo, porque me apego às coisas mais do que devia. Mas que valor pode ter uma mesa ou uma cadeira que fica para trás, comparado com o “dever” de praticar uma boa ação? Absolutamente nada. Isto é sinal de acomodação. Se nunca nos acomodássemos, não sentiríamos o incómodo provocado pela necessidade de nos desacomodarmos. É preciso olhar em frente, trespassar a linha do horizonte e deixar de olhar para baixo. Olhar para baixo, condiciona-nos, limita-nos, enfraquece-nos e atemoriza-nos. É imperioso banhar o olhar na vastidão da lonjura até onde os olhos alcançam, a partir daí, a empreitada pertence ao coração. Isso dá-nos força, coragem e faz-nos crescer.

Eu reconheço que me acomodei ao aconchego das minhas quatro paredes.Agora chegou a hora de arrumar a trouxa e partir.

Se me acomodo com facilidade, também me desacomodo com a mesma ligeireza. É só o tempo de fechar a porta atrás de mim. Contudo até fechar a porta, preciso deixar “a casa limpa,” para que o fluxo da vida, flua livremente.

Agora ao regressar a Portugal, não existe o medo do desconhecido, vou ao encontro das minhas raízes. Estou indo para casa. Embora nunca me tenha sentido emigrante, sinto-me em casa e adoro viver em Bognor Regis, a verdade é que este não é o meu lar. Alguém disse que a nossa casa é onde o nosso coração mora.

De qualquer forma, não é fácil fazer as malas e partir. Eu tenho a minha vida organizada aqui e muita "tralha" que fui colecionando em 14 anos!

Não podia estar mais errada. Agora dou-me conta que meia dúzia de coisas, escolhidas com bom gosto eram o suficiente. Numa situação de emergência precisamos de mais tempo para nos livrarmos do desnecessário. Nunca sabemos quando a vida nos chama para um novo desafio.

Eu moro em frente ao mar e amo o mar! Será que vou sentir falta deste mar? Sentirei falta de correr na praia e assistir ao nascer do sol? Será que vou sentir falta das flores e plantas que plantei? Talvez não, porque terei outros interesses, outras responsabilidades para ocupar o meu tempo e o meu espírito.

No entanto, não posso evitar a tristeza de me desapegar das coisas que fizeram parte do meu quotidiano.

Acabo por me surpreender comigo. Então não estou sempre a dizer que o mundo dos afetos é mais importante para mim do que o mundo material? Então para que estou a pensar nas coisas que não interessam nada? Sim, é verdade. Para mim, o amor é a coisa mais importante. Não preciso de muito dinheiro para viver. Apenas o suficiente para ter uma vida decente e confortável. De qualquer forma, a “vida confortável” é secundária. Como nunca tive muito, mas apenas o suficiente, sou facilmente acomodada. Não sou exigente com o supérfluo e o suficiente está garantido.

Esqueci-me de dizer que entrei numa nova etapa da minha vida. Acabei de me aposentar. A vida é fantástica e maravilhosa. Ora reparem. Há uma nova missão que espera por mim, contudo, a vida esperou que eu me reformasse para que pudesse abraçar totalmente o novo “desafio”.

Estou muito grata á vida e a Deus pela oportunidade de cuidar de quem já cuidou de mim. É um presente abençoado que acalento com amor e desvelo no meu coração.

Prometo para mim e para Deus que vou continuar a ser cuidadora com todo o amor e cuidado. Pensando bem, não preciso prometer para Deus, exatamente porque Ele sabe do que sou capaz. Afinal de contas ninguém precisa de promessas, muitas vezes as promessas criam expectativas e não passam de ilusões. É muito melhor sermos surpreendidos do que apanharmos uma desilusão. O que é preciso é ação e é precisamente essa ação que eu preciso levar a cabo. Conto com a ajuda de Deus, o grande Mestre que sempre me ajudou.

Agora será que já mereço um grande abraço? É melhor não, ainda é cedo para deitar foguetes. Mas que disparate que eu acabei de dizer, dito desta maneira até parece que quero um abraço como recompensa ou forma de pagamento e não é nada disso. Eu não preciso que me paguem para fazer as boas ações que o meu coração ordena. Quando dou algo de mim não é com o intuito de receber algo em troca. Gosto de dar. Gosto de fazer o bem em concordância com a minha natureza. Vou aproveitar para usar um ditado popular, “Fazer o bem, sem olhar a quem”. Estendo a mão a quem precisar de mim, pouco importa que me tenham feito mal e a vida já me colocou perante esta situação. Ajudei sem enfado, não virei as costas.

Agora estou absolutamente convencida que darei conta do recado e sabem porquê? Porque eu amo amar, amar, amar. Faço tudo com amor e por amor. Mas um pedaço de chocolate agora caía bem e o abraço como demonstração de carinho também, porque apazigua-me, liberta serotonina, a hormona da felicidade e o chocolate é fonte de magnésio tão benéfico para os meus músculos e ossos e como o cérebro é guloso, vai ajudar a mantê-lo em bom funcionamento.

Aurevoir!

©Maria Dulce Leitão Reis

26/01/2020

Maria Dulce Leitão Reis
Enviado por Maria Dulce Leitão Reis em 24/05/2020
Código do texto: T6956489
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