ESCRITO 7
(Para ler ouvindo A distância, de Roberto Carlos)
Lembro-me com muitas saudades da casa de meu pai.
Era um mundo distante. Tão marcado pela música e a presença toda sã de minha irmã. E o cheiro do cigarro Hollywood me invadia as narinas como se tivesse a necessidade também de me dizer que ele estava ali. Ouvindo Julio Iglesias. Às vezes era Roberto. Eu ficava em silêncio. Olhando para ele e o seu cigarro. Deixava-me embriagar pelas cinzas. Pelas horas. Inertes. Bebericando calmamente a sua cerveja. Ele não me via. Apenas deixava-se levar pelo ritmo da música. E os olhos eram tristes. Olhos distantes também de um tempo. Talvez pensasse no que não viveu. Ou talvez onde estaria se não ali. Na casa. Tão marcada por lembranças. Falsas esperanças. Sonhos inacabados. E eu ali. Absorvendo tudo. Via. Calado eu permanecia atento. Ao riso pelo canto de sua boca. Como a me dizer que naquele momento ele também pensava em algo. Alguém. Em transe. Leve sussurro cadenciado. Eu não me mexia. Tinha medo que os nossos olhos se encontrassem. Que ele percebesse que eu o assistia. Hipnotizado. Que fazia parte também daquele instante. Meu mundo e nada mais. Porque para ele eu não existia ali. E eu ouvia nunca mais você ouviu falar de mim.... E pensava: mas eu continuarei a ter você. Mesmo distante de nosso tempo. Eu ainda o tinha ali. A minha frente. Como um deus grego com seus cabelos encaracolados. Fechava os olhos para não perder o encanto. Enquanto você continuava a ouvir Roberto.