AZEITONAS
I.
Enquanto me recolho ao quarto, balanço a caneta e cultivo o caderno, mal sei do quanto estou para me desapegar, mal sinto sair de mim o que deveras costumo emanar.
Em cada palavra sugada para fora, um pedaço que sai. Menos meu, letra – trás- letra, fragmento que expele e não traz. Menos minha a palavra. Os personagens como recentes rebentos deixarão a fonte para amamentarem-se n’outro seio, n’outro pensamento.
E eis onde nos encontramos jovens. Supermercado Pontes, amostra grátis de groselha derramando, ao fundo azeitonas roxas. Criadora atriz, Matriz escritora. E aí convergem nossos dramas sutis. Dilema. Desfazer-se de um pouco de si pela trama, deixar escoar lentamente pelas pautas, pelos tablados, em cena...
- Será que cultiva?
II.
Cada letra que sai edifica o momento, fomenta, traz ainda mais para perto a cria. Fermenta.
Se antes era eu dona absoluta desses inventos, dona única entre quatro rebocos de cimento, agora quem me vê através deles e lhos lê um pouco em mim, faz-me dona outra vez , me acrescenta um intento.E de novo a nós voltaremos: atriz ; escritora. Voltamos a nos ver pendentes, anos depois. Maduras, sorridentes, matronas. No Pontes já não há mais groselha pingando, nem frente às verdes azeitonas.
- E a criação?
- Cresceu, vai bem.
-Ainda amamenta?
-Já pode ser amamentada por outros, mas vez em quanto, amamenta também.