Sob um teto seguro

De farta paciência, quebro inércia. Rastejo-me tórpido em passos sonâmbulos por estas terras de grãos familiares e rumos reconhecíveis até destinações que escondem respostas à minha busca. Minhas mãos desgastadas desenterrando fragmentos intactos em meio à ruína, encontrando pedaços de um inteiro que se desmanchou a flutuar inconsequente pelo tempo. Apesar das mudanças, este lugar ainda possui o âmago de um lar.

Poeira dispersa no ar, mofo impregnado nos móveis e cacos de vidro espalhados no chão. Reconstruí minha cama da madeira dilacerada e colchões rasgados, deitei entre os detrimentos e me tornei uma peça encaixada nos espaços e termos desta imagem. Ecoou o vestígio de vozes vizinhas, o despertar das aves e as nuances da brisa sinalizando sutil anormalidade.

Fingi estar cochilando na tarde descompromissada, distraindo-me com minhas tolices e inalando o aroma dos temperos adicionados à velha receita sempre servida aos domingos. Mais evidente o som, os rastros que levam ao seu quarto, à minha memória visual de te ver compilando inspirações e emoções no tracejar de cada verso perfeitamente estruturado. Ninguém mais escreve como ti.

Amplas são suas maneiras de desconstruir os detalhes do momento, adornar ficção nas coisas que você teria feito diferente e contar em maestria o que faríamos infinitas vezes até que se criasse um fim encerrando nossos conceitos. Você exubera uma sensação inconfundível de pertencimento, acolhimento e brando entorpecimento me fazendo encolher entre as dimensões de seus braços me carregando por este vendaval.

Reencenaríamos em novos improvisos a dança de nossas palavras trocadas e diálogos omitidos em confusão de lembrar corretamente sobre o que conversávamos, o que discutíamos e o que descobríamos no aprendizado de nossas próprias fraquezas eminentes e imperfeições características. Como nos dias em que sua falta fora percebida, o desespero hospedado em suas horas é uma repetição cíclica em minha vida e um fardo nos confins de minha perpétua suspeita.

Dormir não é mais uma solução para acelerar todo o sofrimento. De respiração reduzida e soluços constantes, perduro novamente ao que não foi a adequada punição sobre minha sentença. Conduzindo aqui a algum tipo de livramento, pousando em um futuro desprovido de seu induzido contentamento. Admitindo aqui que sou falho, incompleto e desprezível. Eu sou o produto destas memórias irremediáveis.

Daniel Yukon
Enviado por Daniel Yukon em 01/08/2020
Código do texto: T7023103
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